O buraco

OPINIÃO - Thiago Granja Belieiro

Data 21/12/2024
Horário 04:30

O homem nunca teve sua sanidade mental questionada em nenhuma instância, seja de natureza médica, jurídica ou social, mesmo e apesar de pequenos acontecimentos cotidianos que poderiam servir de motivo ou causa definida de certas patologias. Apesar disso, vivia uma existência pacata, tranquila e diria até normal diante das circunstâncias que então se colocavam, o que não era, naturalmente, exclusividade sua.
Acontece que em um dia normal, em dezembro, o sujeito saiu de casa para o trabalho, mas no caminho, passou em uma loja de material de construção e ali comprou uma enxada e uma pá, que levou até a repartição. Estranharam os objetos, ele os guardou em local oportuno e alertou os colegas que faria reformas, necessárias, em seu jardim, aproveitando os dias de descanso. Ao fim do dia, saiu levando as ferramentas em suas costas e tudo parecia parte de uma sagrada cotidianidade. 
Entretanto, e isso acontece às vezes, o caminho parecia longo demais, diferente de outros dias. No meio do caminho, em que havia uma pequena praça, o homem parou, procurou o sítio adequado e se colocou a cavar um buraco, pequeno, de início, talvez uns dois metros de diâmetro, circunferência que ele ia marcando conforme ia tirando a terra em pesados movimentos. Pessoas passavam e não davam importância ao fato, embora considerassem incomum que um funcionário devidamente trajado para assuntos triviais e de somenos importância fizesse aquilo. 
A atividade fora intensa, naquele dia, terminando por volta das 2 horas da madrugada. O homem deu-se por satisfeito e voltou para casa, tomou banho e dormiu pesadamente. No outro dia, justificou sua ausência, perante a família, alegando horas extras. Da roupa suja de terra não quis explicar, dando desculpas convenientes e temporárias. Saiu de casa, como de costume, mas voltou à praça e retomou o árduo trabalho de cavar o buraco e nessa atividade ficou todo o dia, fazendo pequenos intervalos onde descansava e comia bananas, que trouxe consigo de casa. Logo várias pessoas passavam por ali e o questionavam a respeito daquilo e homem não dava respostas, apenas meneava a cabeça em sinal de concordância. 
Os dias iam se passando assim, naquele dezembro. No trabalho sua ausência fora sentida, mas tolerada, de certa forma. Repartições públicas possuem lá suas excentricidades, de modo que essa passou a integrar o corpo das demais ali observáveis. O buraco crescia e já se podia ficar em pé dentro dele e o homem dava-se por satisfeito todos os finais de tarde. A municipalidade mandou fiscais que analisaram o feito e consideram a obra carente de suportes técnicos plausíveis, embora bem executada. A família o recebia à noite, como sempre, com apatia e certo desprezo que já não o desconcertava. 
Resolveu então se mudar para o buraco e assim o fez. De dentro dele, com a profundidade alcançada, a superfície parecia distante e só era possível observar o céu azul, as nuvens que passavam lentamente e alguns pássaros que por ali passavam em seus voos matinais. Ficou imensamente feliz e assim foram seus dias desde então. 
 

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