O artista, taciturno, de vez em quando, senta-se no chão e chora, um choro leve, interno, sem lágrimas visíveis. Faz parte de seus sentimentos cotidianos, semelhantes a outros, que os acompanham, toda vez que acorda. Ultimamente, as alegrias ocorrem nos palcos, a que se dão suas atividades, na condição de ser para a arte. No palco brilha e resplandece, como artista de si mesmo, malabarista e trapezista solo, sua arte se dá diante de si e dos outros, que assombrados, esperam afoitos o próximo ato.
Quando jovem, apreciava ser criança e quando criança era como gostaria de ser, de modo que quando adulto só lhe restava a infância do personagem, que vivia como algo que era seu. A mágica era essa, à plateia, tudo o possível e impossível, e com apenas o seu próprio corpo e simples objetos cênicos, fazia-se de outro, ultrapassando a vida comum e ordinária de todos que o assistiam, limitados pela alienação que reina absoluta, de diversas e ocultas maneiras.
A arte era até simples, de uma imersão total em um corpo que naquele momento se via transformado em outra coisa, de ponta cabeça, equilibrado em cima de três bambus gigantes, amarrados em uma das pontas, com três pernas, feito pirâmide, falando na misteriosa linguagem gromelô, que parecia familiar embora incompreensível a todos. Naquele dia entendi uma pequena parte do que a arte poderia ser, e com o artista, tive a lição derradeira a respeito do que fazer com as palavras.
A tristeza do pobre homem, porém, era latente e percebia-se seu incomodo ao abandonar o personagem, ao fim do espetáculo. O tempo todo parecia absorto, em pensamentos particulares, por assim dizer. Vez por outra, sorria, amargamente, e daquela sensação, muitos de nós estávamos tomados, como que sensibilizados pelo que acabáramos de ver, ao mesmo tempo, em descrédito em relação às sensações racionais advindos desse deslocamento espaço temporal que a apresentação causara.
Havia ensaio e preparação árdua, construção e reelaboração cênica, o trabalho do homem enquanto artista. Mas havia também a experiência humana daquele que vive a arte como parte de si e essa é a busca mais difícil de realizar. As palavras vêm e vão com muita facilidade nas páginas em branco, mas não basta trabalho árduo, dedicação e desejo por elas, mais do que isso, é algo da vida que vem aos dedos que digitam, em combinações que formam palavras às vezes desconhecidas, mas que expressam o que se quer dar vida.
O artista, depois de entorpecido, é obrigado a voltar à vida comum, cotidiana, com a lucidez que lhe confere aquela tristeza taciturna carregada de apatia. Seu lugar no mundo é sempre o do observador, daquele que está dentro e fora das coisas, ao ponto de amá-las e odiá-las, todos os dias, em ritmos alternados de complacência e alegria. O artista é assim, um pária admirado e excluído da vida comum, um homem surpreendentemente solitário, amigos de todos e de quase ninguém. Alguém que está aí, ao seu lado, buscando a arte dentro de si, na vida e nas palavras.