Fernando Pessoa, dentre tantos ensinamentos que nos deixou, um em especial se oportuniza nessa reflexão: “A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos não é o que vemos, senão o que somos”.
Faço essa observação pelo fato de que não há como mudar uma realidade, senão precedentemente alteramos a atitude daqueles que a vivenciam. Não há como exigir um país sem corrupção, sem antes eliminarmos os corruptores. E aqui, não me refiro aos sofisticados esquemas criminais, antes, muito antes, estão aqueles “ditos” banais do cidadão comum.
Talvez, nesse novo tempo, atitudes que demonstram responsabilidade, ética, educação, caráter, comprometimento, já não mais serão objeto de elogios pela sua demonstração, justamente pelo fato de que muito antes de serem adjetivos, se perfazem em verdadeiras obrigações de qualquer ser humano civilizado.
Contudo, em momentos como esse em que há uma grande quantidade de julgamentos dos mais variados assuntos e complexidades sendo realizados, fazendo com que o Poder Judiciário tenha que se manifestar e decidir situações que originalmente não seria da sua competência, temos que ter especial atenção para que o envolvimento de cada um de nós se limite exatamente naquilo que nos é peculiar.
Com isso, evitamos os excessos e, principalmente, se cria a relevante e basilar consciência de respeito às individualidades, no sentido de ter a especial percepção de que o direito de cada um se limita exatamente, no tempo e no espaço, no direito do seu próximo.
Desta forma, por mais que nos pareça certa ou errada a atitude de determinada pessoa, muito antes de julgarmos, nunca devemos nos esquecer de que para todo fato que nos é contado, sempre existirão três verdades: aquela da pessoa que lhe confidenciou; uma outra da pessoa envolvida no respectivo episódio; e uma terceira, que muito provavelmente estará mais isenta de parcialidades e, consequentemente, mais próxima do real.
Isso não se deve, exclusivamente, pelo eventual descomprometimento do narrador com a realidade dos fatos, mas principalmente pela circunstância de que o nosso olhar sobre determinado acontecimento está totalmente relacionado pelo sentimento envolvido no mesmo. E essa circunstância não se difere apenas pelas características individuais de cada ser humano, mas também pelo momento de vida que cada um está presenciando.
Assim, indubitavelmente, a aparência dos fatos não traduz literalmente a sua substância, por maior que seja a lealdade do seu narrador.
Ora, o julgamento, judicial ou humano, não se encerra em seu próprio ato. Em ambos, há um encadeamento de efeitos que, muitas vezes, extrapolam os limites previstos.
Entretanto, no julgamento judicial, ao acusado deve ser dado – o que nem sempre acontece -, o constitucional direito à ampla defesa e ao contraditório. No julgamento humano não. Em grande parte dos casos, aquela verdade posta como única (que verdadeiramente não é) gera todos os seus peculiares efeitos, previstos ou não, legítimos ou não, e para esse caso não existe outro instrumento que não guardar a fé em Deus, na verdade e no bem para que, através do tempo, aquela terceira verdade (a real) se demonstre clarividente.
Por todo o exposto, o desejo é que possamos fazer da nossa vida uma grande viagem em que o destino não está em sua chegada, mas em cada um dos trechos que nos levam a ela, fazendo deles a grande aprendizagem com o percurso da nossa história. Somos, em nossa essência, aquilo que vemos, aquilo que sentimos, assim como a única busca que realmente vale a pena, consiste em percorrer e penetrar o caminho do coração.
Entretanto, saibamos que pautar a nossa vida sobre os caminhos do coração implica fidelidade ao nosso verdadeiro propósito, que não é momentâneo ou mesmo eivado de interesses vazios, mas sim à nossa própria existência. Ao caminho do coração, não é dado agir com ficção, senão com nossa alma.