Nos fundos do mercado, entre caixas de variados tamanhos com produtos diversos, palhetes empilhados, forrados com uma espécie de tapete de borracha, serviam de sofá a dois jovens trabalhadores, que no intervalo de almoço e após a refeição, conversavam enquanto mexiam no celular. O ambiente era pouco iluminado, e embora com ar pesado que emanava do movimento das caixas pelas empilhadeiras, às vezes, até uma soneca era possível. Naquele dia, porém, estavam agitados e ansiosos:
- Oh fi, vê aí no seu celular se caiu o pagode, tá louco, tão atrasando demais esse mês.
- Já olhei, tô na espera também, monte de bagulho pra comprar em casa, coisa pro moleque, tá ligado?
- Tô ligado fi. Eu ia pegar o salário desse mês para inteirar a entrada da minha moto tá ligado, tô louco pra sair fora daqui mano, fazer meu horário tá ligado? Entregador fi, a gente é tipo empreendedor tá ligado? A gente que faz nosso corre e tira o nosso, só depende de nós mesmo tá ligado? Se trabalhar bem, prestando serviço no aplicativo mano, dá pra fazer a boa fi.
Enquanto ouvia, o rapaz mexia no celular, entrava mais uma vez no aplicativo bancário para conferir o saldo. Pensava no que o colega dizia e se lembrava do primo que fazia faculdade pública, uma coisa que o havia motivado a buscar uma saída para um trabalho melhor. Se incomodava, de certo modo, com o que dizia o colega de turno, que mal conhecia, embora dividisse com ele, muitas horas de trabalho por dia, seis dias por semana.
- Sei lá viu truta, essa parada aí de aplicativo é furada mano, se tira o seu e tal, mas quem é seu patrão? Amigo meu lá da vila caiu de moto fazendo entrega, ficou três mês parado, tudo por conta dele, teve até que fazer empréstimo, tô fora, isso não é empreendedorismo não mano, caiu naquela de projeto de vida da escola?
- Ah mano, mas daí ele que teve azar né, é só andar na moral fi, num sair locão cá moto, trabalhar na moral, de boa, só curtindo a brisa e fazendo os rolê tá ligado, se conhece a cidade inteira fí, mó da hora. Essa semana deve sair o pagamento, os caras não vão ficar tirando nóis muito tempo.
- Num sei, pode ser que dê certo pra você mano, pra mim num dá não tá ligado, tenho meu moleque né mano, quero cuidar dele. Tô querendo fazer faculdade, tá fácil entrar agora aí nessa pública aí tá ligado, aqui na cidade tem mano, monte de curso, vestibular facinho falaram, tava pensando nisso, mas o trampo, num consigo fazer nada, só o trampo mesmo tá ligado?
Passava das 13 horas, além de pesado o ar era quente, mas, com o tempo parecia fresco, por causa dos exautores do teto. Descansar ali era algo que muitos faziam, nos seus intervalos, de forma precária, mas com certa privacidade, que permitia tirar os sapatos, ter pequenos cochilos, e às vezes, conversas oníricas, entre o pesadelo da realidade diária e a realidade dos sonhos possíveis. Um dos jovens se levanta assustado, procurando os sapatos.
- Vixe mano, deu a hora, bora que quem tá no plantão hoje é o filho do patrão tá ligado?