Nem Nem

OPINIÃO - Thiago Granja Belieiro

Data 19/10/2024
Horário 04:30

O jovem desperta, por volta das 11h, mais um dia vazio o espera. Não terá, certamente, ocupação remunerada, carteira assinada ou benefícios. Talvez, quem sabe, um corre, uma fita, uma carga de caminhão de entrega, galões de água ou sacos de cimento. Se faz algum trocado, mas essa semana está fraca e a grana curta. Na sua casa não existem revistas, livros ou cadernos, é só a televisão e o computador velho, conexão precária do WiFi do vizinho, 3G quando se tem crédito. 
A mãe deixou dinheiro para o pão e a primeira missão do dia é ir na padaria da tia na rua de baixo. No caminho a mensagem: “Fala aí mano, e aquela fita lá? É hoje hein, vai ou não? ”A alegria recente dá lugar à angústia imediata, o frio na barriga e na coluna. No seu pensamento, a lembrança do convite, a pressão e o medo que sentiu e ainda sente. Não queria virar ladrão e teria que falar não para os caras. “Vão ficar me tirando” pensou e, na dúvida, não respondeu. Isso acontece sempre e ele já falou não muitas vezes. Voltou para casa com dois pães e a mortadela, almoço do dia. 
O vazio já estava ali quando acordou, mas é maior quando chega a tarde e não há absolutamente nada para fazer. O jeito é colar na pracinha com os parceiros, trocar ideia, soltar pipa, fazer a cabeça e esperar. Já estavam todos lá, uns sete ou oito, todos na mesma, sem emprego, sem estudo e sem perspectiva. É sempre uma longa e vazia espera, tardes inteiras vividas para que o dia passe, lentamente e sem sentido. Talvez amanhã aconteça alguma coisa, alguma fita errada, uma diária boa, uma vaga de empacotador no mercado atacadista. 
As conversas matam o dia e nelas se fala demais. Se fala de rap, mas é pouco. As histórias giram mais em torno do crime, dos caras que se deram bem, e estão de carrão e moto zero. Mas daqueles também, muitos, que estão presos e da cadeia mandam notícias, salves e histórias macabras do dia a dia. São todos jovens, como os livres, e matam seus dias como podem. Todos têm medo e o vazio os perseguem diariamente. Dentro e fora, é preciso ser forte para viver a falta de vida e expectativa. É uma escolha natural diante das circunstâncias, mas nosso personagem não quer essa vida.
Era bom em matemática, pegava tudo na hora. A professora incentivava, emprestava livros, passava listas. Mas depois ela foi transferida e o professor novo era formado em Geografia e não sabia ensinar matemática. Ensino médio foi assim, um professor diferente a cada dois meses, sem formação e motivação. Aprendeu alguma coisa, mas o vestibular era uma palavra tão distante para sua realidade que quando chegou sua vez nem sabia que podia. Um colega disse uma vez: “Essa parada aí é pra playboy, tá ligado?”. Talvez fosse mesmo, ele pensou, nunca viu ninguém de lá na faculdade. 
Hoje ele não foi, a mãe o espera em casa, mas amanhã vão chamar ele de novo. As oportunidades estão sempre aí, mas são só essas, por enquanto. Vida vazia, ele é um de cada cinco jovens brasileiros que nem trabalha e nem estuda. 
 

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