Nem impeachment nem golpe. Essa é a conclusão deste analista político sobre o episódio que culminou com a saída dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica do governo Bolsonaro. E os motivos são claros: as circunstâncias não propiciam o afastamento do presidente pela via congressual e nem uma quartelada com apoio dos quartéis para conferir ao mandatário a condição de ditador ou dar-lhe mais poder do que prescreve a carta constitucional.
Comecemos com a leitura do momento em que vive o país. A pandemia que já ceifou a vida de cerca de 330 mil pessoas é uma gigantesca sombra que cobre a população, causando pavor e tolhendo seus movimentos, principalmente as grandes mobilizações populares. Sem povo, sem o clamor incessante da grita social, afasta-se o risco de impeachment, eis que os representantes costumam tomar decisões com um olho em seus interesses e outro nas ruas.
Ora, na seara dos interesses individuais e grupais, ao que se infere, as coisas caminham ao gosto do freguês, no caso o núcleo parlamentar que forma maioria nas casas congressuais. O Centrão avança todo tempo na roça governamental, ganhando cargos e posições e aumentando sua influência sobre o presidente. Percebe que sua pressão gera efeitos junto ao Executivo. E usará esse método para calibrar sua caminhada até o pleito eleitoral de 2022, se não saltar do barco antes de borrascas que façam naufragar o transatlântico presidencial.
Este, por sua vez, precisa do rolo compressor dos centralistas para evitar emboscadas e jogadas brutas do time parlamentar, principalmente da oposição. Portanto, nos vãos da política, cabe fechar todos os buracos. No Senado, o estilo moderado de Rodrigo Pacheco parece não aceitar bombas de efeito demolidor, como impeachment.
Na área militar, teria havido uma operação traumática, longe, porém, de provocar sequelas de alto grau. Com a demissão dos comandantes das Forças, Bolsonaro, sem querer, conseguiu torná-las mais unidas em torno de seu ideário funcional. Conversas com renomados nomes do Exército apontam para esta hipótese. O princípio constitucional que as torna instituições do Estado e não de governo é o lume que guia e guiará as Forças. Não há clima, não há motivos, não há motivação, não há condição para qualquer gesto ou ruptura da letra constitucional.
Pensar diferente é ignorar a trajetória das FFAA no país. São profissionalizadas. O dilema que hoje enfrentam é o de ver inseridos na máquina governamental quadros da ativa. Não há objeção sobre a participação de militares da reserva na gestão pública. Mas há certo mal-estar com a entrada no Executivo de perfis ainda na ativa.
Bolsonaro tentou, sim, politizar as Forças, chegando, certa feita, a proclamar: “meu Exército”. Com boa vontade, podemos, até, inferir que se referia à corporação onde serviu, o Exército. Mas o pronome abriga a ideia de que a Força lhe dá apoio, engaja-se ao bolsonarismo, é aliada de seu escopo. Nada mais errado. As três Armas dão suporte à Constituição e como instituições de Estado, preservam a res publica e todos os eixos que a sustentem.
A disciplina, sob a qual se instala a hierarquia, é regra inafastável das Forças Armadas. É o princípio que lhe confere respeito e admiração. Por isso, os militares procuram preservá-la, sob a crença de que se trata de um manto protetor.
Em suma, as frentes política e militar atuarão nesses tempos nebulosos sob o condão do bom senso, evitando que fogueiras acesas por oportunistas de plantão (dos lados da situação e da oposição) não provoquem incêndio nos pilares da República. Não alimentarão radicais. Essa é a leitura que nos afasta de impeachment e de quartelada.