Em tempos de humor politicamente correto, muitos tipos e personagens do gênio da comédia nacional Chico Anysio não seriam vistos com bons olhos e, provavelmente, seriam cancelados na atualidade. Um destes tipos cômicos era Nazareno, um homem tipicamente machista que vivia esculachando com a esposa Sofia (vivida pela atriz Leila Miranda, com maquiagem carregada e voz anasalada), desprovida de beleza. O malandro paquerava as empregadas domésticas na cara de pau (geralmente vividas por belas atrizes como Monique Evans e Márcia Porto) lhes reservando atenção, chamego e promessas de presentes enquanto mandava impropérios para a esposa: “Isto não é mulher, é uma batida de frente duma Scania, com um trator. Da próxima vez que você aparecer na minha frente, tu avisa antes, pois assim não há ponte de safena que aguente. Isto não é mulher, é um tiro pela culatra”. No final do quadro, virava para a câmera e dava um sorriso maroto, dizendo o bordão: “Tá com pena. Leva ela procê”. Humor da velha guarda.
“Vocação para ser filho”
O amor incondicional de uma mãe é assunto comum de debates e discussões: seria uma vocação, um dom, um desejo, ou uma mistura destes com pitadas de alegria, sofrimento e dedicação. No entanto, se nem todos são mães ou pais, na verdade, todos somos filhos de alguém. Ser filho é tão genérico que parece que não necessita de predicados, afinal ninguém pediu para ser filho. Ledo engano, ser filho é reconhecer-se como alguém cheio de atribuições, competências, habilidades e potenciais. Vestimos o manto do filho amparado pelos genitores e esquecemos que este papel vai se modificando com o passar do tempo. Grande parte permanece num vínculo eternamente unilateral de procura de um ombro amigo, de um colo gostoso e de um protetor disponível, e nunca se disponibiliza a ser um para seus próprios pais ou avós. De filhotes desprotegidos acabam se tornando eternos madurões de bico aberto esperando que os pais continuem lhes provendo ração e calor. Sanguessugas emotivos e materiais que exigem eternos fornecimentos de suprimentos e atenção. A bilateralidade de cuidados lhes é estarrecedora: negam e fingem não ver o envelhecimento dos pais, as limitações vindas com a idade e a necessidade de passar a ser quem suprem as necessidades dos pais. É preciso preparo para o ato de ser filho provedor: inverter os papéis e acolher os pais sob suas asas, auxiliar-lhes nas atividades básicas da vida ou simplesmente fornecer-lhes de volta a mão amparadora que sempre tiveram. Nesta hora, apontam-se os dedos, acusam-lhes os defeitos, ressentem-se de episódios pitorescos do passado, vitimizam-se por não se sentirem preferidos ou privilegiados. Sempre um ou alguns dentre os filhos sobressaem-se em cuidados. Para os que não cuidam, estes que cuidam são os queridinhos, os que estão levando vantagem, os que os pais escolheram, e afastam-se em seus papéis de ressentidos crônicos. Nem sempre quem cuida são os melhores, mas são os vocacionados, os que vestiram a responsabilidade dos cuidados, com prazer e muita honra.
Dica da Semana
Filmes / Streaming
“O Centenário que saiu pra pagar a conta e sumiu”:
Suécia. 2016. Comédia. Direção: Felix Herngren. Com Robert Gustafson. Um ex-espião de 101 anos sai em busca de uma receita de um refrigerante soviético dos anos 70 para ficar rico, contando com a ajuda de um octogenário. Continuação de uma produção de 2013 chamada “O Centenário que saiu pela janela e desapareceu”.