Nas manhãs de domingo

OPINIÃO - Thiago Granja Belieiro

Data 05/10/2024
Horário 05:00

Eu gostava mesmo era das madrugadas adentro, sem horas para deitar, quando muito, por volta das 6 ou mesmo 7, com sol a pino. Nelas vivi vidas inteiras, só, quase sempre. Acho que era algo como uma fuga, um escapar daquele mundo fenomênico do qual pouco apreço eu tinha. Era a cidade, a opressão dela, dos modos de vida e de ser, difícil entender por que assim sentia, viver em certos lugares pode ser amargo. De madrugada não, tinha a solidão e outra vida, por assim dizer. 
Bom, é verdade que eram preenchidas pelos filmes, que eram muitos, repetidos, nos canais de filme da então TV a cabo. Salvou muitas das noites em claro. A música e a literatura também, nem sempre, nunca fui de ler de madrugada. O acordar era sempre tarde, como se diz, meio dia, quase todas as vezes, ou mais. Gostava da noite, daquele silêncio, olhava o céu e pensava nesse existir solitário e sem grandes explicações, pelo menos, a que convença a todos e seja a definitiva, não sabemos. 
Mas viver é assim, e acordar cedo é a obrigação do trabalho. Passei a acordar cedo, 6 da manhã, mas continuava a dormir tarde. Quando se tem filhos, a mudança parece definitiva. Difícil compreender as razões da natureza, mas bebês são excêntricos admiradores das manhãs, frescas e saborosas manhãs. Mesmo a minha, que no início gostava das madrugadas acordada, logo se rendeu aos caprichos da natureza e passou a acordar cedo. Nove horas era cedo para meus padrões. O trabalho era a noite, quase sempre, nesse tempo. 
Não sei quando foi exatamente, mas um dia, domingo, acordei às 7 e sem razões para estar acordado, não conseguia voltar a dormir. Levantei e naquele dia talvez eu tenha entendido as manhãs, o silêncio das pessoas e o canto dos pássaros, que acordam cedo e sempre alegres. O frescor matinal agrada, mas é outra coisa junto com ele que marca o caráter das manhãs, uma sensação de dia inteiro, aqui e agora sem ontem e sem amanhã, é isso que sinto, quando é possível e nos concedem a oportunidade. 
E o dormir cedo, o irreal para o notívago, aparece ao espírito com ar sublime, alegria e contentamento, simples ato do descanso, nove e meia da noite é o tempo ideal, quando se pode. Deve ser a natureza da qual somos que nos impele a dormir com a noite e acordar com o sol, está na sabedoria das culturas antigas, orientais e indígenas, quase nunca ocidentais. Ainda é uma mudança curiosa, ao menos, embora não devesse ser. 
Interessante, são horas normais, mas que parecem outra coisa na proporção das letras. As fases do dia têm lá suas identidades, seu caráter próprio, na medida de cada um que o vivencia. Eu sinto as tardes de um jeito, o início da noite já é outro momento. Gostei das madrugadas e fugi das manhãs por apreço e desapreço, com a lógica invertida cada momento do dia ganhou feição nova, é isso que às vezes, não entendem os teimosos. 
O dia é longo, mas o tempo é distante, passa e não se vê, um dia atrás do outro e o ano se vai. A vida não é curta, só o tempo parece ser, mas o momento é eterno, só ali, naquele instante. Por isso os dias são assim, nas manhãs de domingo.
 

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