Mulheres ricas abortam, as pobres morrem

Roberto Mancuzo

CRÔNICA - Roberto Mancuzo

Data 18/06/2024
Horário 06:00

Eu não acho que este seja um assunto que diga respeito apenas às mulheres, embora sejam elas diretamente impactadas, mas a aprovação do regime de urgência e a provável votação do Projeto de Lei 1904 no Congresso Nacional merece que nós, homens, também nos posicionemos! 
Sou definitivamente contra o PL 1904, de autoria do deputado federal, Sóstenes Cavalcanti (PL-RJ), que prevê crime de homicídio para mulheres que realizarem aborto acima de 22 semanas, inclusive aquelas que foram estupradas e ficaram grávidas. 
Tudo isso já é péssimo porque o aborto legal é um direito das mulheres para casos de estupro desde 1940, mas a atitude destes políticos consegue ser mais canalha ainda porque prevê uma pena ainda maior do que para o próprio estuprador. 
Em outras palavras, a mulher ou a criança que sofre o horror de um estupro, se quiser legalmente abortar após 22 semanas de gravidez, será punida novamente com prisão ou medidas socioeducativas no caso de menores de idade.   
Há muitos motivos para ser contra esta aberração legislativa, mas de minha parte ressalto algumas delas.
Primeiro que estas questões nem deveriam estar em debate face já haver uma legislação sobre isso. Depois, para uma decisão mais coerente e honesta, para dizer o mínimo, quem deveria decidir questões como o aborto é a coletividade das mulheres, em número suficientemente significativo, e não este bando de homens ultraconservadores e fundamentalistas. 
Por fim, o que me parece ser a mais urgente das discussões: em um estado laico uma questão como essa não pode ser delimitada como está a partir do viés do fundamentalismo religioso, como os políticos defensores já o fizeram nos debates públicos recentes, sentados em cima da Bíblia e emitindo discursos “em nome de Deus”. 
Criminalizar duas vezes uma mulher em situação de vulnerabilidade assim não tem a ver com Deus! O meu Deus nunca faria isso, tenho certeza! Sou católico e, portanto, contra o aborto, com exceção do aborto legal previsto para casos de estupro, risco de vida para a mãe e feto anencéfalo. É minha liberdade de pensar assim e aí que está o ponto. Querem impor um pensamento fundamentado na religião e da ideologia política para todas as mulheres.  
E não vem com esta história de que só serão criminalizadas quem realizar o aborto após as 22 semanas, porque aqui dentro do nosso mundinho de bacana as coisas são bem diferentes da vida de milhares de crianças pobres e vulneráveis.
Uma gravidez decorrente de um estupro na família de quem tem dinheiro e plano de saúde seria logo atestada e as atitudes tomadas, mas em lugares totalmente desassistidos pelo estado não é bem assim! A maioria dos casos de estupro no Brasil é de meninas que não conseguem sequer compreender que foram estupradas ou que estão grávidas e descobrem a gestação tardiamente.
Sem dourar a pílula, aqui no Brasil mulheres ricas abortam e as pobres morrem. E agora se sobreviverem, podem ir presas.
Espero mesmo que as reações populares que se seguiram após a aprovação do regime de urgência do PL sejam suficientes para frear esta votação. Esta é uma questão de política pública e não de religião e deve envolver, principalmente, a prevenção e o combate à violência infantil e contra a mulher.
Por fim, meu recado para aqueles que sequer leram o projeto e estão nas redes defendendo apenas polarizações políticas e ideológicas: menos hipocrisia e menos bajulação em cima de um fundamentalismo religioso que você sequer sabe como é ruim e faz mal para tanta gente! Não passe esta vergonha e nem se desumanize defendendo políticos de estimação! Você é melhor que isso!
 

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