A minissérie “Adolescência” (Adolescence), disponível na Netiflix, tem atraído atenção do público de diferentes idades e se tornou assunto em rodas de conversa. A narrativa concentra-se em um evento trágico que transforma a vida de uma família, abordando temas complexos através de uma lente juvenil, mas com ideias que soam fortemente com um público adulto.
A minissérie, com quatro episódios, mistura drama e crítica social, mostrando a história de um adolescente de 13 anos, preso, acusado pelo assassinato de uma colega de escola.
O Imparcial conversou com a psicóloga e psicopedagoga, Fernanda Jóia Passetti Lima de Prudente, para explicar alguns pontos levantados na minissérie. Segundo Fernanda, a dinâmica familiar na minissérie, desempenha um papel crucial na narrativa, especialmente na relação entre os pais. “Observamos inicialmente defesas à inocência do adolescente. Por outro lado, tem uma coisa mais realista, reconhecendo sinais preocupantes no comportamento do filho, a divergência do ponto de vista dos pais, reflete e destaca a complexidade de lidar com questões delicadas do núcleo familiar”.
A psicóloga diz que a série destaca a desconexão entre pais e filhos, evidenciando a falta de comunicação e compreensão mútua. Essa lacuna, pode contribuir para que os adolescentes enfrentem desafios sem o apoio necessário, tornando-os mais vulneráveis a influências externas negativas, como pressões sociais e conteúdos prejudiciais nas redes sociais. “A série utiliza a trama familiar para explorar temas como responsabilidade parental, influência das redes sociais e a formação da identidade juvenil, destacando a complexidade das relações familiares diante de situações extremas”.
Uso da internet
A série também provoca uma reflexão sobre o papel das famílias na prevenção de comportamentos prejudiciais, enfatizando a necessidade de os pais estarem atentos às atividades digitais de seus filhos. “É preciso que a família promova um ambiente de confiança e comunicação aberta. A sugestão é sempre um acompanhamento próximo na educação, amizades, no que estão consumindo na internet. É algo que não se pode confiar nos dias atuais, ou deixar para depois, muito menos deixar o diálogo de lado”.
Como enxergar os sinais de que algo está errado
Perceber que algo está errado com um adolescente pode ser desafiador, já que mudanças de humor, comportamento e interesses são comuns nessa fase. Mas alguns sinais podem indicar que há algo mais sério acontecendo e que merece atenção.
Mudanças bruscas de comportamento:
- antes era comunicativo e agora se isola completamente
- está mais irritado, agressivo ou hostil sem motivo aparente
- passa a mentir ou esconder informações com frequência
Alterações no sono e apetite
- dorme demais ou pouco
- come compulsivamente ou perde totalmente o apetite
Queda no rendimento escolar
- notas caem repentinamente
- falta às aulas ou demonstra desinteresse por atividades que antes gostava
Abandono de atividades e relações
- para de praticar esporter ou hobbies que antes o motivavam
- se afasta de amigos ou evita contato com a família
Mudanças na aparência
- negligência com a higiene pessoal
- mudança repentina de estilo (às vezes pode ser algo natural, mas em conjunto com outros sinais, pode indicar alerta)
Indícios de uso de substâncias
- cheiro de álcool ou cigarro
- olhos vermelhos, pupilas dilatadas, fala arrastada ou comportamento confuso
Sintomas emocionais
- fala sobre se sentir inútil, sem esperança ou pensar em desaparecer
- demonstra sinais de ansiedade, tristeza profunda, apatia ou crises de choro
Sinais físicos inexplicáveis
- machucados frequentes, cortes ou marcas suspeitas (como em casos de automutilação)
Como conversar sem gerar afastamento
A psicóloga diz que não tem uma “receita específica”. Ela afirma que é preciso promover um diálogo transparente com o adolescente. Para não gerar afastamento é preciso sensibilidade, escuta ativa e respeito à autonomia dele. “É necessário a demonstração de um ambiente seguro e sem julgamento, porém isso deve ser construído diante de toda a história de vida, desde criança. Os adolescentes estão em fase de construção de identidade, então é importante que eles sintam que podem se expressar sem serem criticados ou corrigidos o tempo todo”.
Fernanda ressalta que escutar mais do que falar, é um bom começo. “Tente não transformar a conversa em uma lição. Ao invés de dizer “isso é errado”, tente algo como “o que você acha que pode acontecer se continuar por esse caminho?”.
Mesmo que pareça exagerado para um adulto, o sofrimento do adolescente é real para ele. “Frase como ‘eu entendo que isso deve ter sido difícil pra você’, ajuda muito”.
Como a escola pode colaborar nesse processo
A escola pode ter um papel fundamental no processo de desenvolvimento da adolescência, não só como espaço de aprendizado formal, mas também como um ambiente de socialização, acolhimento e construção da identidade.
A psicóloga dá algumas orientações de como a escola pode colaborar de maneira significativa:
- promoção do autoconhecimento e da autonomia: criar canais para escuta ativa, com profissionais preparados (como orientadores educacionais ou psicólogos escolares), promover um ambiente que acolha as dúvidas, conflitos e experimentações típicas dessa fase, sem julgamentos
- inserir práticas de educação emocional no currículo: lidar com frustrações, reconhecer emoções, desenvolver empatia, trabalhar com rodas de conversa, dinâmicas e projetos que incentivem a convivência respeitosa
- capacitar educadores: para mediar conflitos e trabalhar a construção de soluções coletivas, trabalhar habilidades de comunicação não-violenta e resolução pacífica de problemas e ter a parceria familiar.
Masculinismo
Um ponto forte na minissérie, é sobre o masculinismo. O tema do masculinismo na adolescência é super sensível e urgente, segundo Fernanda. Nessa fase, os meninos estão formando identidade, buscando pertencimento e referências, e muitos acabam sendo capturados por discursos masculinistas que oferecem respostas simples e perigosas, para angústias complexas.
Abrir espaço de escuta e diálogo
- antes de confrontar qualquer ideia, é preciso ouvir o que os meninos estão pensando, sentindo, onde eles estão buscando referências
- perguntar sempre: “de onde você ouviu isso?”, “o que você acha sobre isso?” -ajuda a entender o ponto de partida deles
- mostrar que podem falar sem julgamento já é um passo importante contra o discurso radicalizado, que geralmente cresce no silêncio
Educar sobre masculinidades plurais
- ensinar que não existe “um jeito certo de ser homem”
- trazer exemplos de homens sensíveis, colaborativos, afetivos, cuidadosos - na mídia, na literatura, no esporte, entre outros
- questionar esteriótipos com eles - “por que será que dizem que homem não chora?”
Nomear o masculinismo (e diferenciá-lo do feminismo)
- explicar que o masculinismo não é o contrário de feminismo. É um movimento que, muitas vezes, reage contra os avanços das mulheres, promovendo um retorno a ideias ultrapassadas de hierarquia de gênero.
- mostrar que isso não ajuda os homens, só reforça padrões que os sufocam
Trabalhar a inteligência emocional e autoconhecimento
- falar sobre medo, raiva, frustração, desejo - tudo isso é fundamental para quebrar o ideal do “homem invulnerável”
Trabalhar figuras de referência positivas
- pode ser um pai, um professor, um tio ou até personagens fictícios - homens que sejam firmes sem serem autoritários, fortes sem serem agressivos. “Muitos meninos procuram esse espelho, e se só encontram os masculinistas, vão seguir por aí”.