Minissérie “Adolescência” chama atenção do público por explorar vários temas complexos

Psicóloga e psicopedagoga Fernanda Jóia, explica que série utiliza a trama familiar para falar sobre responsabilidade parental, influência das redes sociais e a formação da identidade juvenil

VARIEDADES - Cassia Motta

Data 27/04/2025
Horário 14:10
Foto: Cedida
Psicóloga e psicopedagoga, Fernanda Jóia Passetti Lima
Psicóloga e psicopedagoga, Fernanda Jóia Passetti Lima

A minissérie “Adolescência” (Adolescence), disponível na Netiflix, tem atraído atenção do público de diferentes idades e se tornou assunto em rodas de conversa. A narrativa concentra-se em um evento trágico que transforma a vida de uma família, abordando temas complexos através de uma lente juvenil, mas com ideias que soam fortemente com um público adulto.

A minissérie, com quatro episódios, mistura drama e crítica social, mostrando a história de um adolescente de 13 anos, preso, acusado pelo assassinato de uma colega de escola.

O Imparcial conversou com a psicóloga e psicopedagoga, Fernanda Jóia Passetti Lima de Prudente, para explicar alguns pontos levantados na minissérie. Segundo Fernanda, a dinâmica familiar na minissérie, desempenha um papel crucial na narrativa, especialmente na relação entre os pais. “Observamos inicialmente defesas à inocência do adolescente. Por outro lado, tem uma coisa mais realista, reconhecendo sinais preocupantes no comportamento do filho, a divergência do ponto de vista dos pais, reflete e destaca a complexidade de lidar com questões delicadas do núcleo familiar”.

A psicóloga diz que a série destaca a desconexão entre pais e filhos, evidenciando a falta de comunicação e compreensão mútua. Essa lacuna, pode contribuir para que os adolescentes enfrentem desafios sem o apoio necessário, tornando-os mais vulneráveis a influências externas negativas, como pressões sociais e conteúdos prejudiciais nas redes sociais. “A série utiliza a trama familiar para explorar temas como responsabilidade parental, influência das redes sociais e a formação da identidade juvenil, destacando a complexidade das relações familiares diante de situações extremas”.

Uso da internet

A série também provoca uma reflexão sobre o papel das famílias na prevenção de comportamentos prejudiciais, enfatizando a necessidade de os pais estarem atentos às atividades digitais de seus filhos. “É preciso que a família promova um ambiente de confiança e comunicação aberta. A sugestão é sempre um acompanhamento próximo na educação, amizades, no que estão consumindo na internet. É algo que não se pode confiar nos dias atuais, ou deixar para depois, muito menos deixar o diálogo de lado”.

Como enxergar os sinais de que algo está errado

Perceber que algo está errado com um adolescente pode ser desafiador, já que mudanças de humor, comportamento e interesses são comuns nessa fase. Mas alguns sinais podem indicar que há algo mais sério acontecendo e que merece atenção.

Mudanças bruscas de comportamento:

- antes era comunicativo e agora se isola completamente

- está mais irritado, agressivo ou hostil sem motivo aparente

- passa a mentir ou esconder informações com frequência

Alterações no sono e apetite

- dorme demais ou pouco

- come compulsivamente ou perde totalmente o apetite

Queda no rendimento escolar

- notas caem repentinamente

- falta às aulas ou demonstra desinteresse por atividades que antes gostava

Abandono de atividades e relações

- para de praticar esporter ou hobbies que antes o motivavam

- se afasta de amigos ou evita contato com a família

Mudanças na aparência

- negligência com a higiene pessoal

- mudança repentina de estilo (às vezes pode ser algo natural, mas em conjunto com outros sinais, pode indicar alerta)

Indícios de uso de substâncias

- cheiro de álcool ou cigarro

- olhos vermelhos, pupilas dilatadas, fala arrastada ou comportamento confuso

Sintomas emocionais

- fala sobre se sentir inútil, sem esperança ou pensar em desaparecer

- demonstra sinais de ansiedade, tristeza profunda, apatia ou crises de choro

Sinais físicos inexplicáveis

- machucados frequentes, cortes ou marcas suspeitas (como em casos de automutilação)

Como conversar sem gerar afastamento

A psicóloga diz que não tem uma “receita específica”. Ela afirma que é preciso promover um diálogo transparente com o adolescente. Para não gerar afastamento é preciso sensibilidade, escuta ativa e respeito à autonomia dele. “É necessário a demonstração de um ambiente seguro e sem julgamento, porém isso deve ser construído diante de toda a história de vida, desde criança. Os adolescentes estão em fase de construção de identidade, então é importante que eles sintam que podem se expressar sem serem criticados ou corrigidos o tempo todo”.

Fernanda ressalta que escutar mais do que falar, é um bom começo. “Tente não transformar a conversa em uma lição. Ao invés de dizer “isso é errado”, tente algo como “o que você acha que pode acontecer se continuar por esse caminho?”.

Mesmo que pareça exagerado para um adulto, o sofrimento do adolescente é real para ele. “Frase como ‘eu entendo que isso deve ter sido difícil pra você’, ajuda muito”.

Como a escola pode colaborar nesse processo

A escola pode ter um papel fundamental no processo de desenvolvimento da adolescência, não só como espaço de aprendizado formal, mas também como um ambiente de socialização, acolhimento e construção da identidade.

A psicóloga dá algumas orientações de como a escola pode colaborar de maneira significativa:

- promoção do autoconhecimento e da autonomia: criar canais para escuta ativa, com profissionais preparados (como orientadores educacionais ou psicólogos escolares), promover um ambiente que acolha as dúvidas, conflitos e experimentações típicas dessa fase, sem julgamentos

- inserir práticas de educação emocional no currículo: lidar com frustrações, reconhecer emoções, desenvolver empatia, trabalhar com rodas de conversa, dinâmicas e projetos que incentivem a convivência respeitosa

- capacitar educadores: para mediar conflitos e trabalhar a construção de soluções coletivas, trabalhar habilidades de comunicação não-violenta e resolução pacífica de problemas e ter a parceria familiar.

Masculinismo

Um ponto forte na minissérie, é sobre o masculinismo. O tema do masculinismo na adolescência é super sensível e urgente, segundo Fernanda. Nessa fase, os meninos estão formando identidade, buscando pertencimento e referências, e muitos acabam sendo capturados por discursos masculinistas que oferecem respostas simples e perigosas, para angústias complexas.

Abrir espaço de escuta e diálogo

- antes de confrontar qualquer ideia, é preciso ouvir o que os meninos estão pensando, sentindo, onde eles estão buscando referências

- perguntar sempre: “de onde você ouviu isso?”, “o que você acha sobre isso?” -ajuda a entender o ponto de partida deles

- mostrar que podem falar sem julgamento já é um passo importante contra o discurso radicalizado, que geralmente cresce no silêncio

Educar sobre masculinidades plurais

- ensinar que não existe “um jeito certo de ser homem”

- trazer exemplos de homens sensíveis, colaborativos, afetivos, cuidadosos - na mídia, na literatura, no esporte, entre outros

- questionar esteriótipos com eles - “por que será que dizem que homem não chora?”

Nomear o masculinismo (e diferenciá-lo do feminismo)

- explicar que o masculinismo não é o contrário de feminismo. É um movimento que, muitas vezes, reage contra os avanços das mulheres, promovendo um retorno a ideias ultrapassadas de hierarquia de gênero.

- mostrar que isso não ajuda os homens, só reforça padrões que os sufocam

Trabalhar a inteligência emocional e autoconhecimento

- falar sobre medo, raiva, frustração, desejo - tudo isso é fundamental para quebrar o ideal do “homem invulnerável”

Trabalhar figuras de referência positivas

- pode ser um pai, um professor, um tio ou até personagens fictícios - homens que sejam firmes sem serem autoritários, fortes sem serem agressivos. “Muitos meninos procuram esse espelho, e se só encontram os masculinistas, vão seguir por aí”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Publicidade

Veja também