Mentiras mil na minissérie da Globo

OPINIÃO - Flávio Araújo

Data 27/01/2019
Horário 12:30

No final dos anos 50 o boxe brasileiro vivia seu auge. O Ibirapuera substituíra o Pacaembu e Jacob Nahum festejava as reuniões semanais sempre lotadas. Paulo de Jesus, Milton Rosa, Luis Inácio, o Luisão, Pedro Galasso, Kaled Cury, Fernando Barreto e muito mais. Eder Jofre surgiu como amador ainda no Pacaembu. Acompanhei toda a sua carreira. Em certa época o Brasil tinha como maiorais de sua vida esportiva o Pelé, cujos gols narrei do princípio ao fim, Ademar Ferreira da Silva, Maria Esther Bueno e Eder Jofre, não com obrigação nessa ordem.

Quando Pedro Luiz e Mário Moraes que transmitiam as lutas de fundo saíram da Bandeirantes vi a chance de ganhar o posto. Fui aprender na Academia do Kid Jofre na Rua Santa Efigênia. Subi ao ringue com o próprio Eder e conheci tudo da então nobre arte ao mesmo tempo em que me tornava íntimo daquela família, os Jofre/Zumbano, maior dinastia no boxe brasileiro e por que não, mundial. A Globo exibiu uma minissérie em 4 capítulos, entre 8 e 11 de janeiro intitulada “10 segundos para vencer” e que é iniciada com o aviso de que se trata de filme “baseado em fatos reais”.

Uma produção do competente Flávio Tambellini e direção de Alvarenga Junior. Meu nome aparece nos créditos como narrador das lutas ao lado de Pedro Luiz. O filme é muito bom e a atuação do veterano Osmar Prado no papel de Kid Jofre é soberba. Fosse ele norte-americano e seria candidato ao Oscar. Mas, da verdade o trabalho pouco contém. Chega a ser ofensivo aos personagens. Devo mencionar que quando da ação da obra fui convidado a prestar um depoimento. Morava em São José dos Campos (hoje vivo em Poços de Caldas) e minha mulher estava no hospital onde faleceu, razão de não poder aceitar o convite. Autorizei que usassem minhas gravações, mas minha voz não está lá e muito menos a de Pedro Luiz. Há um bom locutor que ouviu minhas gravações e usou minhas inflexões e as palavras das minhas transmissões. Do grande Pedro não há nada.

As lutas são todas com sósias e o bom ator intérprete de Eder Jofre tem mais de 70 quilos. E Eder se mantinha com sacrifício nos 53. Muita diferença. Segue a produção com mentiras mil que deturpam uma legenda do nosso esporte. Eder ganhou o mundial dos galos em 18 de novembro de 1960 em Los Angeles diante de Eloy Sanchez e o filme destaca mais o duelo diante de Joe Medel que foi apenas a passagem para o vencedor enfrentar o campeão. Mas, tem coisa muito pior. Cidinha, a esposa de Eder, mãe de Marcel e Andreia, no filme o conhece num dancing onde Eder foi levado por seu tio Zumbanão sempre em busca de parceiras para o sexo. 

Cidinha era uma jovem simples e tímida, trabalhava numa tecelagem, Eder demorou para poder acariciar suas mãos. Nos duelos diante de Harada no Japão ela aparece com um barrigão de grávida e leva ao colo o pequeno Marcel, o primogênito. Andréia, o barrigão, só nasceu em 1968. A luta de 1965 é até hoje o recorde de audiência numa transmissão individual (transmiti sozinho pela Bandeirantes e Jovem Pan com mais de 300 emissoras em cadeia) .Eder venceu o combate onde perdeu seu título. Mais berrante ainda o Kid sofrendo um desmaio e sendo levado ao hospital em Brasília quando Eder venceu o espanhol J. Legra na conquista do título dos penas. Kid, no filme ouve o final da luta pelo rádio, mas o certo é que ficou no ringue até o fim e abraçou o filho depois do anúncio da vitória.

O grito de Eder “cadê meu pai”, jamais existiu. Sensacionalismo farsesco para exibir uma emoção desmedida deturpando a verdade dos fatos. Imagino o que dirão os pósteros sobre Pelé daqui 50 anos e espero que ainda haja alguém que tenha acompanhado a carreira desses dois, Eder e Pelé como o fiz, e possa restabelecer a verdade dos fatos impedindo que se transforme em lixo algo tão lindo que essas figuras construíram com um talento estupendo.

 

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