Marcas indeléveis

A série “Adolescência”, ultimamente assistida por milhares de pessoas (Netflix), nos deixou pensativos, reflexivos e atônitos ao mesmo tempo. Poderíamos falar e tecer diversos comentários sobre diferentes temas. Um dos temas que abordarei aqui é sobre marcas indeléveis. O termo indelével no dicionário significa que não se pode apagar, eliminar, “tinta, mancha”; que é durável, permanente; que não se pode destruir, suprimir ou fazer desaparecer totalmente. Inapagável e indestrutível. 
Podemos pensar nos traumas psíquicos sofridos durante a infância e que deixam marcas indeléveis. É uma ferida invisível, uma cicatriz profunda na alma que molda a maneira como enxergamos o mundo e interagimos com ele. 
Na série, há uma cena que ficou ecoando internamente e chamou minha atenção. Foi sobre o pai de Jamie, o senhor Eddie Miller, quando observou que a sua Van havia sido pichada com a expressão ou gíria significando pedófilo ou pervertido. Ele fazia aniversário nesse dia e ansiava por ter um dia bom, apesar de tudo. Sua esposa planejava presenteá-lo com um bom café da manhã e ele excitado, desejava “amá-la” de forma rápida ali mesmo na cozinha. Despertou do sonho e mergulhou novamente em outro pesadelo ao tentar apagar a marca inapagável, pichada em sua Van. Impactante a força em suas mãos e a busca por algumas substâncias, que pudesse eliminá-la rapidamente, para que não fosse vista pelos vizinhos. Ele enlouquece e perde a capacidade para reflexões (razão). Tomado pelo impulso hostil que o inundava foi atuando e instilando todo o seu ódio, agressividade e dor n’alma, ainda não digerida, pelo caminho. 
Sabemos, pelo contexto da série, que o que realmente ele gostaria de apagar era o passado, e o desejo de voltar no tempo, para tentar reparar o seu jeito de ser com a família ou fazer algo para impedir o crime do filho. Ele pensou que o filho estava seguro dentro de seu quarto, e que verificar o que ele fazia nesse tempo todo fosse desnecessário. Muitos pais pensam isso realmente. A família moderna (high tech), realmente, formou-se de redomas protetoras (narcísicas), onde as paredes estão congeladas. 
O comodismo e o bem-estar nos levam para olhar, somente o próprio umbigo. Ausência de trocas afetivas com o outro leva ao automatismo, concretude e a incapacidade para o pensamento. Paradoxalmente, com o avanço tecnológico, o isolamento e a ilusão presentificam-se, facilitando entradas em direção ao mais fácil, fútil, prazer imediato, do gozo adquirido e não construído. Observamos adolescentes acéfalos, vazios de uma essência e subjetividade. Parece uma geração efeito dominó. Se cair um, todos ao mesmo tempo cairão. Não há sustentação psíquica. 
Os pais sentem muita culpa quando os filhos cometem um ato delinquente. Não precisamos ser perfeitos, mas sim, estar presentes e atentos. Orientações e diálogos não podemos economizar. Diálogos, motivação e estabelecimento de limites também. O amor e o abraço fundamentais.
 

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