Manuel Lopes - Claridade

António Montenegro Fiúza

Deste lado da ilha
o cais e a cidade velha
datam de muito tempo,
mas a cidade é um poema

Não cresceu. é sempre a mesma.
todos os dias igual:
o mesmo outeiro da cruz
desterro, fontes e fortes
igrejas, lendas, sobrados (…)
ladeiras, moças bonitas
recato e amor nas janelas
casarões azulejados. (…)
Postal (excerto), Manuel Lopes

Vez e voz para mais um dos fundadores da Revista “Claridade”: Manuel dos Santos Lopes, ficcionista, poeta e ensaísta cabo-verdiano, nascido na Ilha de São Vicente, no início do século passado. Autor de títulos icónicos da cultura e da literatura de Cabo Verde, os quais retratavam a realidade que não queria ser vista, o lado pouco fotogénico e idílico das Pérolas do Atlântico.

Pela sua pena, foram conhecidas as catástrofes e as adversidades por que passavam os naturais das Ilhas de São Vicente e, principalmente, de Santo Antão: seca, miséria e fome, agravadas pela insularidade do país; desenhou com as suas palavras a emigração e o contrabando, que redundavam em perdas humanas e/ou no abandono das famílias.

Em “Chuva Braba”, Manuel Lopes apresenta-nos a realidade de um jovem a quem é apresentada a possibilidade de emigrar, sair da sua ilha, procurando uma nova vida ou decidir-se a ficar, permanecer no desespero da chuva que nunca chega. No seu romance “Os Flagelados do Vento Leste” – o qual fora adaptado para cinema e teatro, retratou a realidade pesarosa e enferma de populações inteiras, votadas ao abandono e ao descaso, por parte das autoridades da época; comunidades que se dedicavam à agricultura e à criação de gado, num país de clima árido e terreno infértil, o qual era ainda assolado por ventos do Sahara, que traziam consigo, ainda mais dor e sofrimento. Um romance dorial, mas necessário, num período político, em que se mascaravam os problemas sociais, calavam-se e descartavam-se os revoltosos, mas nada se fazia, no sentido de apresentar resoluções.

Embora tenha emigrado do país, com a família e ainda muito jovem, não se esqueceu dos seus conterrâneos e do sofrimento que sobre eles recaía; enunciou a dor dos que partiam, dos que ficavam, dos que sobreviviam resilientes e dos que sucumbiam... mas, também, a esperança que reinava impávida.

Manuel Lopes escreveu Cabo Verde e os cabo-verdianos, numa intemporalidade gritante.

«Nunca parti deste cais
e tenho o mundo na mão!
Para mim nunca é demais
responder sim
cinquenta vezes a cada não.  

Por cada barco que me negou
cinquenta partem por mim
e o mar é plano e o céu azul sempre que vou!  

Mundo pequeno para quem ficou...»
“Cais”, Manuel Lopes, poeta cabo-verdiano


 

 

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