Eu e meu irmão Roy escutávamos os discos long plays numa loja de discos em frente à Pane do amigo Aldinho nos anos 60. O som da bateria de Padre Miguel nos encantava. Mestre André foi um revolucionário do ritmo, quebrando paradigmas, mudando velhas estruturas colocando a Zona Oeste carioca no mapa do carnaval. Sua bateria com muita ousadia e somente com 50 ritmistas derrotou a famosa bateria da Portela com mais de 200 ritmistas.
As famosas paradinhas viraram uma marca registrada dessa lendária bateria que recebeu o título de Bateria nota 10. Líamos os fascículos lançados pela Abril Cultural sobre a história das escolas de samba do Rio de Janeiro. Éramos aficcionados pelo samba carioca. Num dia no Tênis Clube, passamos pelo Bar do seu Nakid, que fazia um quibe dos Deuses, o Walter Maciel (in memoriam), popular Amendoim, nos chamou e disse: Turquinhos, estou fundando uma escola de samba aqui no clube e gostaria de saber se vocês não querem fazer parte da bateria. Bateria de escola de samba?
Ficamos encantados com esse convite e voamos nas asas da imaginação. A educação rítmica que todos tínhamos, na nossa aldeia sagrada, era baseada em fanfarra. Os instrumentos eram de fanfarra, mas pouco importava isso. Eu e meu irmão estávamos sintonizados com o ritmo da bateria de Mestre André. No primeiro ensaio chegamos timidamente e o Amendoim nos deu a caixa. "A caixa é o instrumento que dita o ritmo e dá sustentação para a bateria”. O Wellington Pardal tinha a admiração dos amigos, pois era o baterista dessa geração. Estavam lá alguns amigos do Amendoim: Marinho Artoni, Rubens Cancian, Macalé, Mario Salvador, Ramon Cano Garcia, Berré e o Landinho Passini.
Amendoim pede para Pardal que também estava com uma caixa iniciar a entrada. Pardal começa uma batida quadrada que era comum pela educação rítmica das fanfarras. Amendoim era um cara que tinha muita sensibilidade e visão e pediu para o Pardal parar, queria algo diferente. Virou para nós e disse: Começam vocês. Confesso que ficamos nervosos, pois ainda éramos jovens. Olhei para meu irmão e começamos uma batida totalmente diferente, a batida das caixas de Padre Miguel. Quando paramos o Amendoim fala para Pardal: Oh Pardal precisa estudar mais. Dali pra frente o Amendoim nos adotou e nos deu toda a liberdade para mudarmos tudo.
Os Malacos começou como um bloco de carnaval. O diretor social nessa época era o Ótimo Carrara, um homem pouco convencional e que junto com o Amendoim acreditou nessa ousadia, afinal o Tênis Clube era considerado um clube de elite. Quem deu o nome de Malacos foi o Macalé. Amendoim criou a maior revolução cultural da história do clube, quebrando preconceitos e mostrou para uma sociedade conservadora que na batida de um tamborim todos são iguais. Para Amendoim, era indiferente ser analfabeto ou ser doutor, ele não escolhia o rico, o pobre, o credo e muito menos a cor. Queria que através do samba as peles das pessoas poderiam ter cores diferentes, mas na hora que batia um surdo de marcação o samba mostraria que não há tinturas em nossos corações como disse o poeta maior da nossa aldeia sagrada, Cesar Cava.
Em 1972, saímos para o desfile de rua de bermuda e camiseta em formação de fanfarra. Acabou o desfile o Amendoim não gostou da nossa vestimenta e disse: Ano que vem vai ser diferente, não dá pra desfilar mostrando o "Suvaco", tem que ter luxo e essa formação está errada. Nosso Joãozinho Trinta estava nascendo. Nosso primeiro samba-enredo recorremos a um samba do Império Serrano com outra letra:
"Numa pequena cidade
Do interior do Estado de São Paulo
Nasceu os Malacos do Tênis
Amendoim comanda a escola
E grita com toda gente
Que grilo é esse
Vou me embarcar nessa onda
É os Malacos do Tênis que canta
Dando uma de Carmem Miranda
Cai, cai, cai, cai
Quem mandou escorregar
Cai, cai, cai, cai
É melhor se levantar"...
E assim os Malacos nasceram na ousadia, na coragem, na inspiração de um pequeno grande homem que viu no samba uma maneira de mudar as coisas. Os Malacos do Tênis era uma grande família onde ricos e pobres, pretos e brancos cantavam juntos lindas melodias. Mais de 20.000 pessoas assistiam os desfiles das escolas de samba da nossa aldeia. Os Malacos chegou a desfilar com mais de 500 figurantes mostrando luxo e beleza e sua lendária bateria chegou a ter mais de 100 ritmistas inspirada nas paradinhas da bateria de Mestre André de Padre Miguel.
As pessoas que viveram esse momento mágico tomaram um banho de felicidade e ainda carregam essa grande ilusão onde o tempo não consegue apagar. Na parede de suas memórias essas lembranças serão eternas e muito especiais. Tenho certeza que vivemos a melhor época da nossa juventude desfrutando dessa grande aventura. Salve o visionário Mestre Amendoim e vamos nessa:
"Gira/Gira/Gira Mundo
Tudo mundo vai girar
Na alegria dos Malacos
O circo ganhou lugar e vem cantar...."
Mestre Amendoim