Quem sabe a semelhança entre a lesma e o camaleão? Aparentemente, quase nada, a não ser o fato de que ambos podem se arrastar pelo chão. Estudando atentamente as qualidades desses dois animais, identifica-se em ambos algo semelhante: a capacidade transformativa. O pequeno molusco, atingido por uma camada de sal, derrete e se transforma em água. O garboso lagarto, por sua vez, tem a capacidade de vestir as cores do ambiente em que se instala, saindo do verde das folhas para o marrom dos galhos secos com a maior facilidade.
Pois bem, esses dois transformistas foram os principais símbolos da campanha eleitoral, com centenas de candidatos, saindo líquidos das urnas, atingidos pelo sal grosso jogado pelo eleitor, enquanto outros, como camaleões sabidos, ganharam solidez porque vestiram o manto do momento, correndo atrás de um cidadão indignado, mudando o modo de agir, de se comportar e até tentando se desvincular de atos do passado e de perfis rejeitados.
A performance transformativa de candidatos ganha intensidade nesses dias que antecedem o segundo turno, até porque a disputa será entre dois, com maior exposição midiática e condições adequadas para o eleitor traçar paralelos, comparar estilos, promessas e compromissos. Façamos pequeno exercício do que tentam alguns transformistas:
Bruno Covas tenta atrair votos conservadores e evangélicos, mas fugindo de eventual colagem na figura do presidente Bolsonaro. Sal neles, pensa Covas. Guilherme Boulos, por sua vez, afasta-se daquela figura que liderava os Sem Teto, invadindo propriedades, e agora tenta se esconder nos galhos da floresta da moderação. Mas faz campanha ao lado do PT, fato que acaba colando sua imagem ao petismo, cuja rejeição em São Paulo é alta. Que cor adotar? A cor da jovialidade, coragem, inovação, mudança.
E que transformações serão necessárias ao PT? Como se viu, nessa campanha, o PT recebeu forte camada de sal grosso, que derreteu partes de seu território eleitoral. Por isso, os maiorais do partido vão buscar refúgio nas frentes da formação de líderes, renovação de quadros, ensaios pela tangente ideológica. Sofrerão com a tentativa de ressurreição da luta de classes.
Bolsonaro e suas redes, incluindo o chamado gabinete do ódio, continuam a fazer as contas de ganhos, perdas e danos. De mais de 70 candidatos com o sobrenome Bolsonaro, só o filho Carlos se elegeu vereador, tendo boa votação, mas com 35 mil votos a menos do que recebeu na campanha de 2016. As redes jogam sal na campanha, insinuando fraude.
O governador João Doria continuará a se esconder nas tamarineiras paulistanas, apenas no espaço eleitoral, articulação combinada com Bruno. Mas descortinará o amplo palco onde ocorrerá a vacinação em massa da população, eis que os primeiros lotes da Coronavac já chegam a São Paulo. Vez ou outra despeja sobre Bolsonaro um carga de sal em retribuição ao que o presidente lhe manda.
Em suma, e agora, José, o que fazer? As lesmas que se derretem diante do sal, perdendo identidade, serão castigadas? E os camaleões políticos, que mudam de cor, chegarão ao pódio do segundo turno?