No livro “Escrita em movimento: sete princípios do fazer literário”, Noemi Jaffe dedica um dos capítulos ao princípio do estranhamento. Para ela, o estranhamento é uma ferramenta fundamental para a construção de personagens vivos e complexos. Jaffe sugere que os escritores devem praticar o distanciamento em relação ao que escrevem. Ao alcançar esse distanciamento de si mesmos, o autor permite uma perspectiva mais ampla e reconhecível pelo leitor. Nesse sentido, o estranhamento contribui para que o autor mude a perspectiva convencional de abordagem dos acontecimentos, tornando o texto mais original e instigante.
Tenho trabalhado com meus estudantes esse princípio fundamental da escrita criativa, adotando algumas atividades práticas sugeridas por Noemi como a experiência de mudança no foco narrativo ou a escolha de personagens secundários que vivem à margem e que podem oferecer diversos pontos de vista. Para isso, Noemi nos faz lembrar de diversos personagens importantes, como o Fabiano de “Vidas Secas” e sua dificuldade de lidar com as palavras.
Esses exercícios em sala de aula me fizeram retomar a leitura de um livro que me causou enorme impacto: “Meu nome é vermelho”, obra que resultou no Prêmio Nobel de Literatura de 2006 para seu autor, o romancista turco, Orhan Pamuk. A história gira em torno da encomenda de um livro secreto que deveria combinar a tradição persa da miniatura com influências ocidentais do Renascimento, o que gera tensão entre os artistas. Esse conflito estético simboliza a luta entre a arte tradicional islâmica, que evita a perspectiva e a individualidade, e a influência da arte europeia, que valoriza o realismo e a assinatura do artista.
A trama gira em torno do desaparecimento de um miniaturista imperial, encontrado morto dias depois. O sultão encarrega o mestre ilustrador Osman de investigar o assassinato, enquanto outro artista, Negro, retorna a Istambul após anos de exílio e se envolve tanto na investigação quanto em um romance proibido com sua prima Shekure.
Poucos livros que já li me causaram tamanho estranhamento. Pamuk desenvolve uma trama contada por 19 narradores diferentes - entre eles, um cachorro, um cadáver e até conceitos abstratos, como a cor que dá nome ao livro. Essa trama multifacetada em 53 capítulos gerou muito desconforto e encanto em mim. Afinal, quando algo familiar é apresentado de maneira inusitada, o leitor é forçado a olhar o mundo sob uma nova perspectiva. E você? Conte-me a respeito de suas leituras estranhas.