Jura secreta

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 08/09/2024
Horário 05:00

Estou diante da tela do computador em absoluto silêncio. Muitas palavras desconexas zumbindo no meu ouvido. Reminiscências das coisas mais estressantes ou urgentes da vida diária. A lista de compras de supermercado que preciso fazer. A mala da última viagem por desfazer. O e-mail não escrito que preciso enviar. A perda progressiva de flexibilidade nas articulações dos dedos das mãos (preciso de tempo para exercitar piano). A revisão do relatório que vou entregar na segunda-feira. Simplesmente eu deixo as palavras cansarem de rodopiar na minha frente e a ansiedade para dizer alguma coisa se esvai. Será que o que tenho a dizer é realmente necessário e vai fazer a diferença?
Agora, não quero dizer nada! Quero observar o que está escondido por detrás das palavras que costumam sair da boca. Tem algo escondido aí? Algo negligenciado porque não parece tão importante quanto os assuntos das conversas anteriores? E para a minha surpresa, do silêncio surge a música. Primeiro uma nota isolada e bem suave. É o lá maior, seguido do seu acorde fundamental numa sequência rítmica Progressivamente novas frases musicais entrecruzam-se formando linhas melódicas independentes. As linhas musicais se entrelaçam, ainda que mantenham sua autonomia. 
Peraí... a música foi chegando, mas o silêncio ainda está ali?  Na verdade ele faz parte da música. Quem diria, hein? O silêncio gera uma pausa dramática, criando uma expectativa de que a próxima nota ou acorde tenha um impacto maior, realçando a eficiência da narração musical. O silêncio das palavras desempenha um papel fundamental na música e torna-se tão expressivo quanto as notas tocadas... Incrível isso! 
Respiro profundamente, liberto das palavras inúteis. Deixo o tempo passar diante daquele contraste entre o som e o silêncio. Do vazio das palavras, existe a música, existe a poesia. Lembro do poeminha do contra de Mário Quintana: “Todos esses que aí estão, atravessando o meu caminho. Eles passarão....Eu passarinho”. Quintana de novo: “Tão bom viver dia a dia....A vida assim jamais cansa”....De novo: ”Nunca dês um nome a um rio: sempre é outro rio a passar”. De novo: “E se me dessem um dia, uma outra oportunidade, eu nem olhava o relógio, seguia sempre em frente”. 
Mergulhado no silêncio fico ali sozinho com a minha pequena descoberta. Por detrás das palavras..... a música, a poesia. E no velho disco de vinil, a canção de Fagner “Jura secreta”: “Só uma palavra me devora, aquela que meu coração não diz”.
 

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