O saudoso Roberto Campos afirmou no artigo “O funeral da nota fiscal”, publicado na Revista Veja em 23 de junho de 1999, que é preciso evitar reformas do sistema tributário baseadas na estrutura clássica de impostos, como o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), uma vez que se trata de “uma curiosa relíquia artesanal na era eletrônica”. Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal, no artigo “O equívoco da reforma tributária”, publicado no jornal O Estado de S.Paulo em 5 de outubro de 2017, comenta a vocação brasileira para copiar padrões tributários adotados em países com condições diferentes das nossas. E conclui que “o mais grave é que buscamos copiar modelos em franca obsolescência, como o IVA”.
Por outro lado, estabelecendo um esclarecedor contraste entre o anacronismo do IVA e o caráter inovador dos lançamentos bancários como base tributária, Vito Tanzi, na obra “Globalization, technological developments, and the work of fiscal térmites”, afirma que a movimentação financeira tem o mérito de ser uma inovação tributária ocorrida após a introdução dos tributos sobre valor agregado em meados do século passado.
Tributos convencionais como o IVA, que alguns candidatos à presidência da República estão propondo, exigem o acompanhamento físico das transações econômicas, uma tarefa cada dia mais difícil e onerosa para ser realizada com sucesso. A era digital, caracterizada pelas transações eletrônicas, o comércio pela internet, a volatilidade e mobilidade de fatores, de capitais, de mercadorias e de serviços tornam a tarefa quase impossível de ser concretizada por haver necessidade de fiscalizar e auditar um número incalculável de transações que se realizam a cada momento. O resultado é que no mundo moderno os IVAs tornam-se cada dia mais sujeitos a formas variadas de evasão e de “planejamento” tributário, causadoras de profunda deterioração da eficácia desta base tributária. Ao mesmo tempo, exigem crescente burocracia e infindáveis controles para evitar perda de arrecadação.
O mundo digital tem características crescentemente incompatíveis com as principais características analógicas de impostos convencionais como os IVAs. Destaco alguns atributos que estão na base da conceituação dos impostos convencionais: 1) materialidade, visto que eles pressupõem a identificação, classificação e auditoria físicas pontuais para sua operacionalização; 2) individualidade de qualidades geográficas como locais de origem e destino dos bens e serviços transacionados; 3) territorialidade mediante a necessidade de definir atributos como nacionalidade e composição acionária pelos entes tributantes dos Estados nacionais; e 4) tipicidade, por exigir objetiva classificação dos produtos em grupos industriais para o correto enquadramento tributário.
Como se vê, trata-se de um conjunto de atributos essenciais para a configuração tributária dos impostos clássicos da era analógica, mas que rapidamente tornam-se imprecisos e indefinidos no mundo digital moderno. A reforma tributária que o próximo presidente da República terá que implementar deve estar em sintonia com a tecnologia digital que rege o mundo contemporâneo. Insistir no ultrapassado IVA é uma insensatez de pessoas que não se ajustaram à realidade virtual.