Em 2021, Patricia Vanzolini foi eleita à presidência da Seccional da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil) para o triênio 2022/2024 numa condição especial: é a primeira mulher a ocupar esse cargo na história da entidade, fundada em 1932, ano, aliás, emblemático para os paulistas. E mais: a OAB-SP é a maior do país, com mais de 355 mil profissionais, 5 mil estagiários e 33 mil sociedades inscritas. A posição ocupada por Patricia é significativa à medida que as mulheres são maioria no panorama de advogados do país, porém apenas um quinto ocupa o posto de presidente de uma seccional com abrangência estadual: das 27 seccionais, apenas cinco têm a frente advogadas, enquanto que em 22 delas a vice-presidência é ocupada por uma mulher.
No Brasil, o dia 11 de agosto é comemorado como o Dia do Advogado. Essa data foi escolhida em memória da criação das duas primeiras faculdades de Direito do país, no ano de 1827. Essas faculdades foram criadas simultaneamente por Dom Pedro I, então imperador do Brasil, em São Paulo, no Largo de São Francisco, e em Olinda, Pernambuco. A data é uma celebração sobre o início do ensino das disciplinas jurídicas em solo brasileiro e é uma oportunidade para homenagear os profissionais que representam o direito dos cidadãos perante a Justiça.
A OAB-SP lançou neste mês de agosto campanha de valorização da advocacia e interiorização da instituição no Estado em vídeo. “Uma nova OAB”, exalta a peça ao apresentar no mapa do Estado os 935 postos de atendimento espalhados por todo o Estado, que abrigam 251 subseções e 241 pontos de certificação digital. A campanha é divulgada nas principais regiões, como ABC paulista, São Carlos, Presidente Prudente, Osasco, Mogi das Cruzes, Sorocaba e Rio Claro, entre outras.
A campanha coincide com ações de valorização dos advogados do interior paulista por meio das “Casas da Advocacia”, espaços nas cidades das subseções que tem o objetivo de apoiar e atender às necessidades do cotidiano dos profissionais com computadores e câmeras para a realização de audiências virtuais, bem como salas de reuniões e de atendimento espalhadas por tribunais, fóruns e edifícios da Ordem nas cidades do Estado.
Nesse contexto, logo após proferir palestra no Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, na terça-feira, 8, Patricia Vanzolini deu entrevista aos jornalistas Wilson Marini e Fabio Toledo, da APJ (Associação Paulista de Portais e Jornais) e Diário do Brasil TV Prevê. Seguem os principais tópicos:
Me elegi com a bandeira de fortalecimento da classe e reaproximação entre a advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. Estava havendo um enfraquecimento da nossa categoria no sentido do respeito às nossas prerrogativas, honorários profissionais. A nossa classe estava de fato sofrendo uma série de problemas e a OAB não estava próximo o suficiente da advocacia, sobretudo no interior.
A campanha que estamos lançando para o 11 de Agosto, Dia do Advogado, é uma das ações para a categoria recuperar o orgulho de ser advogado e advogada. Os mais antigos se lembram das campanhas como “Procure sempre um advogado”, que marcaram época que davam a nós um senso de pertencimento. Precisamos recuperar esse sentimento, falando que todo dia é dia do advogado, não tem um dia em que ele não seja necessário para evitar um conflito, para obter um direito, é uma classe que tem que ser valorizada.
Grande parte da advocacia é concentrada no interior cada vez mais. Com a pandemia, muitos advogados da capital descobriram a maravilha de morar no interior, onde a qualidade de vida é muito maior. O sistema telepresencial permite que a gente continue executando o trabalho remotamente, o interior está cada vez mais importante e pujante, e é preciso que a OAB tenha esse olhar para atender todas as demandas do interior. Ontem mesmo [segunda-feira, 7 de agosto] estivemos em Miracatu inaugurando numa pequena seção com 120 advogados um núcleo para que os advogados locais possam também fazer cursos presenciais com grandes nomes e professores.
A representatividade racial e de gênero é importante para que a classe se veja na entidade. As advogadas já são mais de 50%. Os negros são 30% dos advogados, e uma grande parcela de jovens que não se viam representados. A diversidade é uma questão de justiça e de eficiência. A minha diretoria é composta por três mulheres e dois homens. Temos uma diretora negra.
Estamos reconstruindo por todo o interior com outra perspectiva. As casas eram consideradas a sede administrativa onde ficava a diretoria local. Continua sendo, mas não só. Agora, todas as Casas da Advocacia no interior serão espaços de coworking, com escritórios compartilhados. Mediante agendamento, o advogado pode reservar dentro da OAB um horário para fazer uma audiência online ou atender um cliente. Isso é muito importante, sobretudo no Interior.
Coloco a imprensa dentro do bojo das instituições que são alicerces da democracia. Se criou uma ideia errônea de que as mídias sociais substituiriam a imprensa. Isso é um erro. As duas coisas podem e devem coexistir. A imprensa tem todo um enfoque, uma formação, credibilidade que tem que ser valorizada. Não há democracia que ataque a imprensa, que desconsidere a imprensa. Claro que ela vai conviver com o WhatsApp, o Instagram, mas a imprensa tem um lugar central em qualquer democracia.
Nós, brasileiros, precisamos recuperar o amor e o apreço por determinadas instituições. Precisamos aprender a valorizar o Parlamento, o Executivo, o Judiciário, a OAB… Podemos criticar uma decisão do Supremo, mas não podemos jogar pedras virtuais ou reais, da mesma forma não podemos dizer que todos os políticos são corruptos, defender o fechamento do Congresso. A democracia só consegue estabilidade se as instituições forem firmes. Não podemos demonizar as instituições.
“ADVOCACIA FORTE É CIDADANIA FORTE. E ADVOCACIA SÓ É FORTE SE FOR UNIDA, E PARA ISSO NÓS PRECISAMOS DE TODA A CLASSE, NO INTERIOR, LITORAL E CAPITAL”
Patricia Vanzolini
Não podemos “planificar” o interior. Não é “um interior”. Temos as mais diversas regiões, as localidades. Temos o Alto Tietê, o oeste paulista, noroeste…, há muitas peculiaridades tanto locais como regionais. Naquela comarca, está tudo bem, o juiz atende aos advogados, mas na vizinha está um caos, os processos demoram muito porque a Vara está atrasada. E para dar conta, precisamos estar nos lugares. Acredito muito na tecnologia, mas acredito mais ainda em pé na estrada. Não acredito numa gestão de gabinete em que fico aqui na Rua Maria Júlia, 35, na capital. Acredito em estar nos lugares, viajo semanalmente por todo o Estado de São Paulo. Daqui a alguns dias estarei em Jaboticabal, Sertãozinho, Ribeirão Pretol, e por aí vai. Acredito também em empoderar e dar autonomia às subseções. Elas são fundamentais porque estão na ponta, é conseguem sentir a demanda, a temperatura. Ter uma interlocução livre, rápida, desburocratizada com todos os presidentes das subseções, é prioridade.
A tecnologia e as mudanças aceleradas brutalmente pela pandemia nos impõem novos desafios, e temos que estar à altura para responder. Muitos colegas perderam seus escritórios, tiveram que fechar por não conseguir pagar aluguel, e a OAB tem que se adaptar para atender às demandas que surgiram com esse mundo virtual. Hoje podemos fazer audiências virtuais, sustentações orais virtuais, mas nem todos advogados têm hardware, software e sinal para fazer audiências pela internet. Para isso a OAB tem que patrocinar essa condição para que todo advogado no Estado de São Paulo possa atuar em igualdade de condição. Sou otimista. A tecnologia chegou para quebrar barreiras, mas para isso precisamos dos recursos tecnológicos. Se a tecnologia impõe desafios, ao mesmo tempo permite coisas antes impensáveis. Esse movimento de união de todo o interior e litoral do Estado pode ser facilitado pela tecnologia.
Tenho a certeza de que a advocacia não vai acabar. Porque quanto mais complexa é uma sociedade, mais problemas ela tem, e mais advogados ela precisa. Só que precisa de advogados que estudaram um nicho específico, não o generalista. O mercado deve se autorregular, mas é preciso colocar limites. A sociedade vai compreendendo o que é bom e o que é ruim, e vai descartando. Não se poderia aceitar uma ação inteiramente ajuizada por Inteligência Artificial, até porque a IA erra bastante, não substitui o olhar humano. Mas a IA é uma grande ferramenta, assim como o computador. Pensa em alguém há 30 anos que se recusasse a usar o computador e quisesse continuar na máquina de escrever, não ia se tornar competitiva. Imagine alguém que se recusasse há 20 anos a usar a internet para fazer pesquisas. A IA vai acabar se incorporando para determinados aspectos, não para ser o coração de nossa atividade,
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, uma instituição fundamental, não consegue pela sua estrutura cobrir toda a demanda da população carente, sobretudo no interior. Nas pequenas comarcas, não há Defensoria para assistir toda essa população. Então, a OAB por meio de seus advogados presta serviços de assistência judiciária cobrindo 85% dos atendimentos da população carente. Nas cidades pequenas é que vemos a OAB mais necessária para a cidadania. É uma instituição que está na base da democracia. Não dá para falar em democracia sem acesso à Justiça.
Lidamos com abusos de autoridades e de poder. A ação da OAB nesses casos tem que ser pautada por reação imediata e tolerância zero. Não adianta o advogado que teve a sua prerrogativa violada, pedir uma assistência da Ordem, e isso demorar meses para ser concedido, e o desagravo demorar anos. Temos que ter uma atuação imediata e não permitir nenhuma violação, das menores às maiores. Exemplo disso é a atuação da OAB no caso de um colega que teve a prerrogativa violada na Comarca de Batatais. Foi espancado por uma autoridade policial, e conseguimos que o policial fosse afastado da delegacia e fizemos um ato de solidariedade e desagravo a esse colega in loco com a presença de 200 advogados e a presidência da Ordem.
Advogado respeitado é advogado qualificado. Um propósito que estamos perseguindo de modo muito firme é ter núcleos da ESA (Escola Superior de Advocacia) em todas as subseções no interior.
Projeto de lei na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) pretende aumentar as taxas judiciárias e isso vai repercutir negativamente sobre a advocacia e a cidadania. Advogados em massa, mais de 600 da capital, interior e litoral se reuniram na Alesp para se manifestar contra esse projeto de lei. Há muito tempo não se via uma mobilização desse tipo capitaneada pela OAB, e é isso que queremos recuperar.
Tenha orgulho de ser advogado, de ser advogada. Nossa profissão é a única que está na Constituição Federal e ela é essencial à Justiça. Advocacia forte é cidadania forte. E advocacia só é forte se for unida, e para isso nós precisamos de toda a classe, no interior, litoral e capital.
(Com colaboração da APJ)
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Patrícia: “Nossa profissão é a única que está na Constituição Federal e ela é essencial à Justiça”