Ao longo dos últimos anos, o velocista Gustavo Henrique Araújo, 23 anos, vem percebendo sentimentos e sensações diferentes. Ele descobriu que tinha ceratocone, uma doença degenerativa na córnea, e desde então vem perdendo a visão. No entanto, a paixão pelo atletismo o fez aguçar os outros sentidos e seguir firme na caminhada pelo esporte, através do paradesporto. Após correr os Jogos Para-Panamericanos e ser campeão, e o Mundial Paralímpico onde foi vice no ano passado, ele enfrenta agora, em 2016, um desafio ainda maior: as Paralimpíadas. Hoje, Gustavo vai participar do evento-teste, Open Internacional, no Estádio Nilton Santos (Engenhão), no Rio de Janeiro, que segue até sábado.
No ano passado, velocista foi vice-campeão Mundial
Inscrito nos 100 e 400 metros, na classificação funcional T13 (deficientes visuais), ele buscará o ouro na competição que encerra o circuito preparatório para os Jogos Rio2016. As Paralimpíadas ocorrem entre 7 e 18 de setembro. "Para qualquer atleta é o degrau máximo. É o mundo voltado para você. Todos que se qualificaram estão ali cobiçando as três medalhas disponíveis. E eu, que estive nos dois lados da moeda, penso que o esporte paralímpico está grandioso, já que todos estão ali, para além de superar o adversário, se superar, e principalmente, vencer a deficiência, e por isso eu tenho um carinho e admiração enorme por este universo", destaca.
No primeiro contato com a pista olímpica, Gustavo não esconde a ansiedade, porém, diz que procura se controlar. "Vêm atletas de outros países, e já vamos sentir o clima dos Jogos. Estou lidando com a minha primeira Paralimpíada, e no Brasil ainda. Todo lugar que se vai só fala nisso, o Brasil gira em torno disso, tem que parar, respirar, relaxar a mente, senão fica louco", afirma.
Para saber lidar com tudo isso, além de contar com uma equipe, o atleta é treinado por Jayme Netto. "É a minha primeira, mas ele já esteve em várias, e sabe exatamente como o atleta vai reagir. Tem dias que ele não fala nada, mas em outros dá um puxão de orelha, e vamos aprendendo", explica.
A transição
Em 2008, Gustavo iniciou na modalidade que em pouco tempo seria a sua profissão. "Sempre joguei esportes coletivos, e eu não gostava de perder. Mas dependia dos outros e isso me incomodava, o atletismo me mostrou que eu poderia ser o melhor, se eu me dedicasse e treinasse", conta. Três anos depois, Gustavo descobriu que tinha a doença que faria com que aos poucos fosse enxergando menos, mas não era só isso. Seu irmão mais novo foi diagnosticado com a mesma enfermidade, fato que o fez amadurecer ainda mais. "Minha mãe ficou muito mal, e eu não queria demonstrar fraqueza para eles", lembra.
O atleta conta que vem sendo privado de muitas coisas, entretanto, se não pode "ver com os olhos", vem aguçando outros sentidos. "Em vários momentos eu pensei em desistir. Largar tudo. Ir embora, não tinha conhecimento do quanto que a visão era importante. Eu tinha sonhos, quando eu enxergava, eu sentava na última cadeira do cinema, chegava cedo. Soltava pipa, que eu gostava muito, tinha prazer em fazer. Mas na vida temos outros propósitos. Hoje posso enxergar com o coração, e tudo que a gente faz com amor, conseguimos fazer bem. Amo o atletismo de paixão, estou conhecendo o mundo e pessoas por causa do atletismo. Mudei o meu jeito de ser, a minha vida, por causa do paradesporto", finaliza.