Nos últimos anos, a ideia de "guerra cultural" tem se tornado cada vez mais presente nos debates políticos e acadêmicos. Esse conceito, cunhado pelo sociólogo James Davison Hunter (1991) em Culture Wars: The Struggle to Define America, descreve os conflitos políticos e sociais que giram em torno de valores morais e culturais. De acordo com Hunter, essa disputa não se dá apenas no campo ideológico, mas envolve a luta pela definição do que é legítimo na sociedade e nos espaços institucionais e simbólicos. Esse fenômeno, longe de ser exclusivo dos Estados Unidos, vem se manifestando em diversos contextos, inclusive no Brasil, onde se tornou um elemento central nas disputas políticas e culturais.
O debate sobre guerra cultural foi aprofundado no Enecult 2024, durante a mesa Guerras Culturais, realizada em 22/08 no Salão Nobre da Reitoria da UFBA, onde estive presente. Letícia Cesarino (UFSC) apontou que a guerra cultural opera como um elemento metapolítico que desafia a democracia, extrapolando seus princípios e criando um cenário onde o próprio sistema democrático não consegue lidar com as contradições sociais emergentes. João Cezar de Castro Rocha (UERJ) destacou a mudança de paradigma para um modelo baseado na economia da atenção, no qual a extrema direita, por meio das redes sociais e da disseminação de fake news, mobiliza medo e rejeição do outro, capturando corações e mentes com muito mais eficácia do que os setores progressistas.
A guerra cultural, portanto, não é apenas um debate de ideias, mas uma máquina altamente eficiente de manipulação cultural. Por meio de estratégias de comunicação sofisticadas, discursos de ódio e desinformação, setores políticos mobilizam emoções e promovem uma polarização extrema, minando a confiança na democracia e nas instituições.
Diante desse cenário, torna-se urgente que os setores democráticos e progressistas não apenas resistam, mas ativem mecanismos institucionais para consolidar políticas públicas de cultura. No contexto municipal, a implementação do Sistema Municipal de Cultura, baseado no tripé CPF (Conselho, Plano e Fundo de Cultura), é o agente mobilizador para garantir que a cultura seja reconhecida como direito fundamental e instrumento de fortalecimento da democracia.
Para que esse sistema seja efetivado, é imprescindível ativar o diálogo com os poderes públicos, mobilizando a sociedade civil para pressionar a implementação dessas estruturas. O Conselho de Cultura deve atuar como instância deliberativa e participativa, garantindo que a construção das políticas culturais seja democrática e representativa. O Plano Municipal de Cultura deve definir diretrizes estratégicas de longo prazo, alinhadas às necessidades locais e ao Sistema Nacional de Cultura. Já o Fundo Municipal de Cultura precisa ser fortalecido como ferramenta de financiamento contínuo para projetos e ações culturais, assegurando sua sustentabilidade.
Assim, a guerra cultural não pode ser ignorada. Mais do que resistir, é necessário disputar ativamente os sentidos e valores que moldam a vida social, e, para isso, a institucionalização do Sistema Municipal de Cultura se apresenta como um passo fundamental. A democracia não é um estado permanente e garantido, mas um campo de luta constante. Cabe a nós decidir como e com quais ferramentas participaremos dessa batalha.
Referências sugeridas
CESARINO, L. Participação no 20º ENECULT: Guerras Culturais. UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina, 2024. Acesso em: (185) 20º ENECULT : Guerras Culturais - YouTube.
HUNTER, J. D. Culture Wars: The Struggle to Define America. New York: Basic Books, 1991.
ORTELLADO, P.; SILVA, D. de M. (Orgs.). Guerras culturais: políticas em confronto. Políticas Culturais em Revista, v. 15, n. 1, jan./jun. 2022. Universidade Federal da Bahia.
ROCHA, J. C. de C. Participação no 20º ENECULT: Guerras Culturais. UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2024. Acesso em: (185) 20º ENECULT : Guerras Culturais - YouTube.