Gap

OPINIÃO - Thiago Granja Belieiro

Data 16/11/2024
Horário 05:00

Nos dias que correm, nessa nossa temporalidade contemporânea, o tempo da ação política parece indicar um futuro profundamente preso a modelos populistas e autoritários, originados em um passado não muito distante, cujo fracasso evidente de todos os projetos deveria servir de alerta de sua ineficácia. Pelo contrário, o desespero é tamanho diante da ausência de veredas seguras para amanhã, somadas a um hoje de desalento econômico e social, que o conservadorismo reacionário se torna a norma do presente e do que virá e me parece, inclusive, que esse movimento atinge todos os espectros políticos, cada um à sua maneira. 
No livro “Entre o passado e o futuro”, a filósofa alemã, Hannah Arendt, afirma que a sua geração estaria vivendo em um Gap no tempo, para ela, um “estranho entremeio entre aquilo que não é mais e aquilo que não é ainda”, ou seja, uma suspensão do tempo, onde as referências políticas do passado já não serviriam para iluminar o presente e projetar o futuro. A barbárie do século 20 fora tão brutal e sem precedentes que seus acontecimentos deixavam o passado para trás. Entretanto, e esse é o significado do Gap, ainda não teríamos projetos políticos futuros, o que deixa o futuro como algo incerto para a ação política, pois literalmente tudo pode acontecer. 
Obviamente que a leitura de Arendt parte do seu contexto histórico, o início da década de 1960, juntamente do seu posicionamento político a favor da democracia liberal, com críticas severas aos regimes autoritários de direita e esquerda. Apesar disso, em certos aspectos, esse Gap talvez ainda esteja entre nós, pois depois do fim do regime soviético e da suposta vitória da ultraliberalismo, experimentamos uma completa desorientação política que se reflete na ausência de projetos que atendam satisfatoriamente os desafios do nosso século 21. 
O paradoxo demonstrado por Thomas Piketty para o capital em nossa centúria, com o aumento vertiginoso da riqueza global acompanhado de assombroso aumento da desigualdade social, em todos os países ocidentais nas últimas três décadas, deixa claro que a concentração da riqueza ensejada pelo capitalismo financeiro digitalizado, junto dos aplicativos de serviços de propriedade das corporações tecnológicas, o aumento da concentração de imóveis, a inflação e diminuição da renda global das classes baixas e médias deixa o Gap de Arendt potencializado pelo medo, a incerteza e a insegurança econômica.
Os resultados eleitorais recentes, no Brasil e no mundo, dão indicativos de que nesse cenário distópico, o grosso do eleitorado, de todas as classes sociais e até mesmo em setores outrora considerados progressistas, parece preferir acreditar em lideranças populistas que magicamente resolvam todos os problemas. No Brasil, o centro, a direita e a extrema direita, vocalizada pelas corporações e suas redes sociais, ocupa agora o vazio de projetos autênticos. Enquanto as opções futuras para nós estão entre o Irã e o México, melhor não seria olhamos para a China?
 

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