Hoje eu escrevi a crônica numa casa muito especial, encravada na encosta da Mata Atlântica. A madrugada insistia em não ir embora. Da janela do quarto era possível observar um pequeno córrego no seu curso para o mar. Era indescritível o sentimento de acolhimento que este ambiente me proporcionava. O burburinho incessante das águas nos ouvidos, o cheiro de mato molhado aguçando as narinas, a umidade marinha em contato com a pele. A vida silvestre assistia em respeitoso silêncio aquele fim de noite.
Como pode sair tanta água das paredes rochosas do morro acima? Todos sabem que as fontes de água doce mais resilientes geralmente são alimentadas por sistemas subterrâneos, como aquíferos, que na Serra do Mar recebem água das chuvas e liberam água gradualmente ao longo do tempo. Parece muito simples, não é? Mas naquele instante mágico da noite, quando tudo ao redor permanecia em silêncio para assistir o espetáculo das águas correntes, era visível que o mundo não se explica apenas por ciclos isolados. Cada folha que caía com a brisa, os pequenos seixos nas margens do córrego, a belíssima teia de aranha entre uma árvore e outra, todos os elementos indistintamente estavam interligados.
Não era difícil compreender a Terra como um organismo vivo, como propôs o cientista James Lovelock, na década de 1960, com a sua Teoria Gaia. Segundo ele, a Terra funciona como um sistema vivo autorregulado, capaz de manter as condições adequadas para a vida. De acordo com essa teoria, a biosfera (a parte da Terra onde a vida existe) e os sistemas físicos, químicos e biológicos do planeta estão interligados de maneira complexa. Assim, a Terra, como um todo, agiria como um organismo vivo, capaz de regular sua própria temperatura, composição química e outros aspectos ambientais para manter condições favoráveis à vida.
Certamente, aquele pequeno curso d´água funcionava como uma espécie de artéria por onde se mantinha em funcionamento os ciclos de nutrientes, como o nitrogênio e o carbono, tão necessários para regular a interação entre os seres vivos, garantindo um equilíbrio adequado para a manutenção da vida.
Eu sei que a Teoria de Gaia gerou discussões intermináveis dentro da comunidade científica e que seus críticos contestam sua validade como uma descrição precisa dos processos planetários. Mas é preciso passar uma noite mágica como eu tive no meio daquela mata para compreender a ideia muito antiga de que Gaia, como já sabiam os gregos clássicos, era uma figura maternal e poderosa, associada à fertilidade, à criação e ao sustento da vida.