Passei uma semana inteira mergulhado na minha bolha social. Os mesmos restaurantes, os ambientes virtuais familiares, aqueles mesmos grupos de discussão, completa submissão aos algoritmos que nos fazem acreditar que somos nós mesmos que escolhemos os nossos livros de cabeceira. Pois é, mas eu tenho de escrever uma crônica semanal e esse exercício exige que me torne uma pessoa mais empática. Eu preciso ouvir e entender as histórias dos outros. Afinal, não existem crônicas sem essa espécie de diálogo que estabeleço com os outros. Como sair desse impasse?
Eu já havia desligado o computador, apontado meticulosamente um lápis 2B de ponta bem macia para fazer rabiscos, alguns rascunhos... e nada. Estava difícil encontrar o fio da meada. Daí eu resolvi caminhar a pé pela cidade, como um sujeito errante que coleta impressões de cenas cotidianas. Adesão ao comportamento “flâneur” de Walter Benjamin?
Bem, sem rumo definido - talvez parar na padaria para um café ou quem sabe observar com maior atenção aquele jardim que sempre passo reto, eu cruzei uma esquina sinistra. Certamente os pedestres, ao cruzarem aquela encruzilhada enigmática, mal ousariam lançar olhares curiosos na direção da esquina. A atmosfera sutilmente pesada sugeria que, ali, o tempo seguia ritmos próprios, desconectados da agitação do mundo lá fora. Talvez fosse o eco de risos antigos, ou o sussurro de segredos esquecidos, mas algo naquela esquina insinuava que ali, entre o crepúsculo e a meia-noite, o universo conspirava para tecer tramas que se revelariam apenas aos olhos atentos de quem ousasse desvendar os enigmas escondidos na penumbra misteriosa. Como nunca havia percebido a sua existência? Eu passo de carro quase todo dia por aqui. Sim, eu sei. Os vidros estão fechados, música no rádio, pensamento na reunião que vai começar daqui a pouco...
As casas antigas que ladeavam a rua pareciam testemunhas silenciosas de eras passadas, com suas fachadas carcomidas contando histórias nunca completamente reveladas. Bem na esquina, um poste de luz fraca lançava reflexos irregulares, como se traçasse na calçada um mapa de enigmas indecifráveis. As ruas que se cruzavam por ali pareciam linhas de um poema visual, onde cada passo seria um verso, e aquela esquina, um ponto de virada pelas intricadas tramas urbanas. E a esquina que antes era apenas um ponto de passagem tornou-se um cenário mágico, onde a arte e a vida se encontraram, criando memórias fugazes e deixando uma aura de encantamento naquele pedaço esquecido da cidade. E você, já furou a sua bolha social hoje?