Não faço a menor ideia como vou terminar as próximas linhas desta nova crônica. Abandono o teclado do computador e passo a discorrer em letra cursiva numa folha de papel em branco com um lápis de ponta bem macia. Começo a escrever sem escrever, pois eu não quero escrever nada. O que eu não posso suportar são aquelas mesquinhas discussões, visto que não se trata de ganhar nem de perder. Quero que se calem quando deixam de sentir, de construir o sentido na interlocução, na interação verbal. Ouço apenas um zumbido lá no fundo da cabeça. Seriam reminiscências de textos fluídos e hipertextos em conexões eletrônicas ou sintoma de uma espécie de esgotamento da própria sensibilidade? Quem é o “eu” que fala?
Não sei responder. Coloco-me no estado mais passivo que posso. Deixo as palavras tomarem conta de mim e escorrerem pelo canto da boca. Escrevo depressa sem assunto prévio, suficientemente depressa para não parar e não provocar a minha tentação de reler e reescrever. É muito difícil a associação livre de palavras e, ao mesmo tempo, a atenção flutuante sobre as palavras e suas relações com as coisas. Cidades, ondas do mar, vento forte no rio, nuvens com desenhos efêmeros no céu, as meninas e a mãe no dia ensolarado no parque. Doces, frutas, copos meio vazios, o pião do garoto, a poeira na estrada, uma nascente lá no escuro da mata. Desejo as palavras diretas como linha de força. E me desligo do entendimento intelectual. Como diz o poeta: “Nada se sabe, tudo se imagina. Circunda-te de rosas, ama, bebe. E cala. O mais é nada”. Ou ainda: “Não penses! Deixe o pensar na cabeça!”. “Não trago nada e não acharei nada”.
Assim, volto novamente ao estado de vigília. As palavras batem na vidraça separadas do ruído de qualquer voz. Quais são? Onde pensam que vão? Que é feito delas? E me deparo conversando com uma versão anterior de mim mesmo. Mastigo poemas de Álvaro de Campos. Devoro poemas de Alberto Caeiro, odes de Ricardo Reis. Viva a canibalização! A vida, na verdade, não se apressa em levar a cabo a sua tarefa. Sigo aqui todo o meu possível girando como um mundo em transformação. Destino e liberdade. Fragmentos do ser que não cabe nas palavras. A história é uma aproximação intensa entre as palavras e as coisas. Só então percebi como cada palavra se traduz em algum som que atravessa o meu íntimo, incendiando-o. Puro amor e desejo ecoando, ecoando: “Apenas seguirei como encantado ao lado teu” [...] “te amando devagar e urgentemente”. É a Vela... eu te amo!