Já não é de hoje que a internet se transformou em uma verdadeira tribuna, onde todos possuem voz e são capazes de postar, opinar, contrariar, julgar e discutir os mais diversos temas e que variam entre assuntos pessoais, como publicações que exaltem o dono do perfil, ou até mesmo das ideologias defendidas por cada um. Para o psicólogo Guilherme Carvalho, o ambiente online se transformou em uma extensão da vida real, bem como um retrato dos laços sociais construídos de forma física.
Os jovens, que representam o maior público presente nas redes, para o psicólogo, se expõem muitas vezes por causa de uma suposta falta de experiência nas próprias relações, de forma que as fotos, endereços frequentados, telefones e pensamentos compartilhados se tornam um verdadeiro desabafo como se fosse dito aos amigos e familiares, o que não é uma realidade, já que uma vez na rede, a publicação se torna acessível de forma mundial. “Muitas vezes, eles não enxergam que isso pode entrar como uma informação para pessoas mal intencionadas. Essa atitude, no entanto, pode representar aos jovens uma necessidade de autoafirmação, aprovação, admiração e que são conquistadas por meio do reconhecimento virtual, como as fotos”, informa.
Desta forma, é através das experiências no meio online que as pessoas vão conseguir identificar, e usar como se fosse um teste mesmo, os comportamentos que melhores seriam adequados ao “mundo real”, já que é possível entender quais são as melhores maneiras de se colocar no ambiente físico. “A internet aceita tudo o que você quer dizer, tudo é permitido, mas, geralmente, as pessoas criam personagens e maneiras de se mostrar, e elas vão usar isso para mostrar apenas o que é bonito e belo, ou, por exemplo, seu lado crítico e contra a normatividade”, diz Guilherme.
Impactos da exposição
Com tais comportamentos, o psicólogo afirma que é preciso pensar nas pessoas que estão consumindo as postagens e pensar em quais são as reais necessidades para tal exposição. “Acho importante que se tenha esse espaço para falar dos mais diversos temas, mas desde que isso seja feito com respeito, clareza e com informações reais. Ao mesmo tempo, é preciso pensar se estamos sendo reconhecidos e se temos capacidade de dialogar com as pessoas e argumentar de forma pacífica, não agressiva e até mesmo com as pessoas ao meu redor e não apenas na internet”.
O especialista lembra, no entanto, que os pais podem aproveitar este momento de ideias expostas na internet para pensar no recado que essas mensagens estão querendo passar, bem como aproveitar esse momento para conhecer um lado que, muitas vezes, dentro de casa, o jovem não expõe. “Além disso, analisar se o conteúdo está adequado à idade e ver se as postagem evocam sentimentos de medo, revolta ou sexualidade. A partir disso, as redes sociais se transformam em um termômetro para enxergar o que está se passando com os filhos”.
Crimes contra a honra
A delegada da DDM (Delegacia de Defesa da Mulher), Denise Akagui Simonato, afirma que a exposição excessiva nas redes sociais gera, sem dúvidas, um “enorme risco” para aqueles que se expõem, por causa do número grande de pessoas que tem acesso a tais informações, bem como a capacidade de o conteúdo ser repassado e atingir uma quantidade expressiva de internautas. “Assim, pessoas desconhecidas podem ter conhecimento da rotina de outras, de suas vidas particulares, hábitos, familiares, entre outras informações, as quais, na posse de pessoas mal intencionadas, podem dar ensejo a prática de diversos crimes como sequestros, roubos, furtos, sem contar nas ameaças e injúrias, sempre tão frequentes nas redes sociais”.
Ainda segundo a delegada, está cada vez mais comum encontrar na delegacia casos que envolvam as redes sociais, geralmente crimes contra a honra, quando são postados xingamentos ou outras ofensas morais, ou ameaças. “Todavia, fato muito alarmante são os crimes previstos no ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente], acerca da pedofilia, e os estupros virtuais, cada vez mais comuns entre crianças e adolescentes, os quais, sem a supervisão dos pais ou responsáveis, passam a conversar com pessoas desconhecidas através das redes sociais e são depois constrangidas a se exibir despidas ou em cenas de sexo explícito ou pornográficas e podem, muitas vezes, ter suas imagens divulgadas através da internet”.
Por isso, as pessoas que se sentirem agredidas por comentários ou publicações ofensivas podem buscar ajuda policial, conforme Denise, momento em que será registrado um boletim de ocorrência, para que os fatos sejam apurados.
PERFIL
Arquivo Pessoal/Cedida
Nome: Andress Amon Lima Mattos
Idade: 23 anos
Naturalidade: Presidente Epitácio
Profissão: Estudante
Curso: Psicologia
Universidade: UFDG (Universidade Federal da Grande Dourados)
Quando o assunto é internet, quais são as redes sociais que mais te atraem e te agradam para o uso?
Eu gosto bastante do Facebook por conta do alcance que a rede possui, no entanto, atualmente tenho utilizado mais o Instagram devido à privacidade do meu perfil privado. Parece que o ódio é gratuito no Facebook.
Normalmente, qual é o tipo de conteúdo que você consome nas redes sociais?
Costumo acompanhar bastante os portais de notícias, mas não sigo muitos famosos. Gosto de usar o Facebook para disseminar informação e compartilhar meus momentos, bem como acompanhar a vida virtual dos meus amigos.
Em relação às suas postagens, há algum filtro sobre o que publicar, ou tudo é permitido?
Eu publico o que acredito ou considero certo. Existem causas que eu não participo, não faço parte do grupo, mas tento divulgar por acreditar na veracidade e importância delas. Exemplo, causas feministas, veganas e movimento negro. Minhas publicações são restritas aos amigos, por causa da onda de ódio que vem circulando nas redes. Apesar de não ser mentalmente saudável, gosto de ler os comentários em notícias, principalmente da causa LGBTQIs (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, transgêneros, queer e intersexo), para responder as pessoas que se acham no direito de julgar as demais, baseadas em religião, ou na verdade que tomam para si. No entanto, não existe apenas uma verdade.
Suas postagens já foram motivos de reclamação ou polêmica alguma vez? Como você lidou com essa situação?
Já sim, principalmente na época das eleições. Me lembro de uma publicação que questionava o fato de roupas não possuírem gênero, e eu compartilhei apoiando. Muitas pessoas, até mesmo do movimento LGBTQIs, diziam o contrário. Eu gosto de explicar meu lado sem criticar o do outro usuário, pois muita gente não tem conhecimento do que realmente se trata. Mas, sempre tem aquele que faz a gente perder a paciência. Aí eu ignoro.
Diante do poder que a internet conquistou, acredita que um dia deixará de postar tudo o que pensa ou essa situação não mudará sua liberdade de postar o que bem deseja?
Atualmente eu já me afastei um pouco do Facebook, justamente pela questão das pessoas falarem o que querem sem pensar no efeito que aquilo terá. O discurso de ódio abre espaço para que mais pessoas destilem seus preconceitos. Me afastei não por receio de retaliação, mas pelo fato de o ambiente não estar saudável para minha mente. Notei que estava começando a ser mais ríspido em minhas respostas, tanto virtual quanto pessoalmente, por conta do estresse que passava na rede. Mas eu sempre volto, certamente é viciante. Acredito na importância do nosso posicionamento, mesmo que apenas virtual, pois é a partir deles que definimos quem somos.
DICA DE FILME
Ferrugem (2018)
Divulgação
A trama é recente e trata de um tema que não é difícil de encontrar nos noticiários. O filme Ferrugem traz a história da jovem Tati, papel interpretado pela atriz Tiffanny Dopke, que não dispensa postagens que retratem sua vida, com posts capazes de registrar todos os momentos do seu dia a dia. O celular, utilizado para realizar a maior parte dos compartilhamentos, no entanto, faz parte do clímax da trama, já que o aparelho tinha em sua memória registros íntimos da adolescente, que acabam sendo divulgados em grupos da escola. A partir de então, o filme aborda de forma delicada a difícil missão de encarar com a intimidade exposta aos demais, o preconceito das pessoas que acreditam fielmente no ato como algo intencional e até mesmo em pensamentos suicidas – representados pela imagem do celular como se fosse uma arma no cartaz de divulgação.