Há um ditado já muito antigo em que se diz haverem duas grandes certezas em nossa vida: uma é a morte; a outra são os impostos. E, neste sentido, na medida em que durante a vida não consolidamos um devido planejamento sobre a nossa sucessão (patrimônio físico e atividade empresarial), neste momento de tão profunda dor advinda com a perda de um ente querido, os herdeiros e sucessores ainda terão que se submeter a uma série de questionamentos que se não forem muito bem executados, certamente resultará em uma substancial perda de patrimônio, tudo para fazer frente a todas as exigências tributárias, principalmente no que se refere ao IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física) e ITCMD (Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos).
Iniciemos pelo IRPF, mais propriamente pelo eventual ganho de capital apurado na valorização de determinado bem na transmissão causa mortis. Para tanto, importante se faz observar que o citado ganho de capital, é a diferença positiva entre o valor de alienação de bens ou direitos e o respectivo custo de aquisição.
Por essa razão, na medida em que um indivíduo adquire determinado bem pelo valor de R$ 100 mil e o vende por R$ 150 mil, teremos a apuração de um ganho de capital na ordem de R$ 50 mil, o qual seria tributado na alíquota de 15%, resultando um recolhimento a título de IR, na importância de imposto de renda R$ 7,5 mil, a qual deverá ser paga até o último dia útil do mês seguinte ao da respectiva alienação.
Nesse contexto, por implicação legal, o mesmo raciocínio acima deve ser aplicado nos casos de transferência por sucessão causa mortis (transmissão dos bens do “de cujus” aos seus herdeiros/sucessores), conforme determina o artigo 23 da lei 9.532/97, na hipótese em que o valor de mercado dos bens deixados pelo falecido resulte em valores diferentes daqueles que constam em sua declaração anual.
Entretanto, referida cobrança viola o princípio da Capacidade Contributiva e o Pacto Federativo, haja vista que, na sucessão causa mortis, já incide imposto devido sobre a transmissão de bens, e a incidência do IR sobre ganho de capital acarretaria uma espécie de bi-tributação, afrontando de morte o artigo 155, inciso 1º, o qual atribui aos Estados e ao Distrito Federal, a competência de instituir imposto sobre a transmissão causa mortis. Desta forma, o bem transferido em razão da morte do de cujus e eventual grandeza tributável revelada pelo evento da sucessão já é objeto de tributação.
Já no que se refere ao ITCMD, importante ressaltar que o Código Tributário Nacional, recepcionado como lei complementar pela ordem constitucional de 1988, estabeleceu – dentre outros aspectos - que o ITCMD deveria por base de cálculo o valor venal dos bens ou direitos transmitidos. Ocorre que, em novembro de 2009 foi editado o decreto nº 55.002, o qual incluiu um parágrafo único ao artigo 16 do Decreto nº 46.655/2002 e estabeleceu que o valor do ITCMD poderia ser calculado com base no valor de referência divulgado pelos municípios para fins de cálculo de ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis), nos casos de bens imóveis urbanos e, nos casos de bens imóveis rurais, os valores médios divulgados pela Secretaria de Agricultura.
A princípio, o decreto nº 55.002 poderia passar despercebido já que, em tese, decorreria de atividade típica do Poder Executivo no exercício de seu poder regulamentador ao estabelecer parâmetros para a aplicação da lei tributária. Contudo, ocorre que referido instrumento normativo excedeu o comando legal das leis em referência, na medida em que institui uma nova sistemática de cálculo que implicou na majoração do tributo, o que viola frontalmente o princípio constitucional tributário.
Nesse aspecto, inclusive, o TJ-SP (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo) vem reconhecendo o direito dos contribuintes de se utilizarem como valor referencial para cálculo do ITCMD aquele fixado pelos municípios no lançamento do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), ou o valor declarado pelo contribuinte para efeito de lançamento do ITR (Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural).
Diante de todo o exposto, é de direito dos contribuintes que tiveram seu patrimônio onerado pelas exações do IRPF e ITCMD, nos moldes acima transcritos, que busquem o Poder Judiciário para o fim de restituir eventuais valores pagos a maior, ou ainda, que requeiram, preventivamente, o reconhecimento do referido direito.
Luiz Paulo Jorge Gomes é mestre em Direito Tributário pela PUC/SP e atualmente exerce a função de conselheiro titular da Primeira Turma Ordinária, da Segunda Câmara, da Primeira Seção de Julgamento do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda)