Olha, eu acho que já vi quase de tudo na vida. Desde parteira à benzedeira. Gente que chega e gente que parte. Vontade de rir ou de chorar. Coragem e medo. Explico.
A imagem mais remota é da minha mãe chegando da maternidade pelo corredor estreito da casa da Vovó Filhinha, carregando no colo o meu irmão mais novo. Depois eu vi muitas outras chegadas: meninos e meninas, mas também gatos, cachorros, periquitos, coelhos.
A primeira partida foi para a metrópole paulistana. Eu era muito pequeno, mas ficou aquela saudade da primeira casa que vivi. Era no final da rua, muito próximo do fundo do vale que se transformou na principal artéria da cidade. Entre lá e cá, eu vivi em 14 casas diferentes. Com o tempo, a mobilidade foi diminuindo. Até parece que a gente cria raízes nos pés...
A primeira despedida foi da minha avó materna. Eu não conseguia entender o que é que ela estava fazendo ali, inerte (decididamente, funerais não são para as crianças!). Aos poucos as partidas tornaram-se mais corriqueiras e de pessoas cada vez mais próximas. O que significa tudo aquilo? Seria uma passagem para alguma outra dimensão de difícil compreensão para os seres humanos? Rituais que representam crenças profundas sobre a compaixão e devolução à natureza? Conexões entre os vivos e os ancestrais? Ou purificação e libertação?
Eu também já vi muitos encontros e desencontros. Milhões de pessoas nas praças, gritando “Diretas já!”. Festas carnavalescas e folguedos populares. Shows memoráveis da Elis Regina, Adoniran Barbosa, Elza Soares... Festivais de jazz e de teatro, concertos ao ar livre, dança, muitas danças. Dos desencantos, o mais doido foi o amor perdido. Eu vi o pranto, o peito vazio e o desalento. Mas eu também vi o grande rio desaguando no mar, a boca do vulcão, o uivo quebrando o silêncio da mata, a água arrastando tudo o que tinha pela frente, um numeroso grupo de golfinhos rasgando o oceano. Vi a névoa suavemente encobrindo a montanha, as gotículas da garoa acariciando a copa das árvores gigantes, as borboletas estourando o casulo e as garças riscando a superfície das águas como se tivessem régua e compasso.
Eu vi muita coragem na canção do artista, na longa vida do professor, no silêncio quando o que se esperava era o grito. Mas também tive medo do primeiro beijo ou de ouvir um não. Medo de falar bem alto e não ser compreendido. Ou não dizer o que precisava ser dito. Daí veio o riso, o suspiro, o reencontro... E a vida continuou a girar, a girar, a girar. O tempo não para. O tempo voa em aceleração crescente. Pois que venha!