Saber se a dengue e leishmaniose podem conviver no mesmo ambiente ecológico tem importantes significações, mas especialmente a de orientar ações preventivas e de políticas públicas de saúde. Estudo científico recém-concluído sugere a existência dessa correlação espacial das duas doenças; constituindo-se num dado que exige atenção redobrada das autoridades de saúde. A escolha do local da pesquisa recaiu em Teodoro Sampaio, no Pontal do Paranapanema, o 8º maior município em extensão territorial do E#stado de São Paulo e que apresenta vários fatores de risco para doenças infecciosas transmitidas.
O estudo foi desenvolvido pela cardiologista Charlene Troiani do Nascimento para a produção de sua tese de doutorado junto ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional, mantido pela Unoeste (Universidade do Oeste Paulista). Médica, fisioterapeuta e mestre em Ciências da Saúde, Charlene foi aprovada para receber o título de doutora. Essa sua mais recente produção científica foi orientada pelo médico infectologista e doutor em imunologia Luiz Euribel Prestes Carneiro, que envolveu no trabalho três co-orientadores.
DOENÇAS NEGLICENCIADAS POR TODOS
O envolvimento interinstitucional buscou as expertises do Osias Rangel, da Sucen (Superintendência de Controle de Endemias) em Campinas; Edilson Ferreira Flores do Departamento de Estatística da Faculdade de Ciência e Tecnologia (FCT/Unesp), campus da Unesp em Presidente Prudente; e Rogério Giuffrida, médico veterinário, professor pesquisador vinculado à Unoeste. A banca examinadora foi composta pela Eliana Peresi Lordelo, da Unoeste; Renata Ribeiro de Araujo, da Unesp; Dra. Marilda Aparecida Milanez Morgado de Abreu, da Unifadra; e Érika Kushikawa Saeki, do IAL (Instituto Adolfo Lutz) em Prudente.
Na elaboração do estudo foi levado em consideração que a dengue e a leishmaniose visceral são doenças negligenciadas pelo governo, pelos profissionais da saúde e pela própria população; a caracterização como endêmicas em países com baixa renda; a existência de poucas pesquisas sobre essas doenças; o fato de que a indústria farmacêutica não tem interesse em desenvolver novos medicamentos ou vacinas que combatam essas doenças de maneira efetiva; e a constatação de que, apesar dos esforços adotados pelos órgãos públicos, essas doenças estão se espalhando de maneira rápida e imprevisível no oeste paulista, na região de Prudente, que inclui o Pontal do Paranapanema.
DADOS DE VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA
Sendo assim, o projeto de doutorado foi produzido com o objetivo de determinar a distribuição espacial da dengue e da leishmaniose visceral canina, assim como a presença de vetores das duas doenças, identificando se estavam presentes no mesmo espaço na área urbana de Teodoro Sampaio, no período de 2012 a 2020. Nesse tempo, os casos de dengue em humanos e de cães diagnosticados com leishmaniose foram obtidos a partir de registros da Vigilância Epidemiológica de Teodoro Sampaio. A presença de vetores (mosquitos) da leishmaniose foi identificada por meio de redes de captura.
Conforme o estudo, os vetores da dengue foram identificados (pesquisa de densidade larvária direta, armadilhas de larvas e ovos, e captura de adultos do A. aegypti), em amostragem aleatória de residências nas mesmas quadras e do mesmo período da realização da pesquisa entomológica dos mosquitos de leishmaniose visceral. Os dados foram georreferenciados e foram gerados mapas com densidade de Kernel, para analisar a distribuição espacial das doenças. Foram notificados 977 casos de dengue, sendo 39% dos casos em 2020, e 84 casos de leishmaniose visceral canina, com 29,8% dos casos notificados em 2013.
DISTRIBUIÇÃO ESPECIAL DAS DOENÇAS
No inquérito entomológico, quase um terço das armadilhas capturaram grande quantidade de mosquitos transmissores da leishmaniose visceral, sendo 98% contendo Lutzomyia longipalpis, principal responsável pela transmissão da doença. Na maioria das quadras onde foram capturados os mosquitos, também foram encontrados os vetores da dengue. Além disso, a maior quantidade de cães infectados por leishmaniose estava na periferia da cidade, enquanto os casos de dengue estavam distribuídos por toda a cidade.
“Costuma-se dizer que a leishmaniose visceral escolhe território, sendo mais prevalente na periferia das cidades enquanto dengue está presente em todas as regiões da cidade”, explica Euribel e conta que a partir dos mapas de Kernel, verificou-se que hotspots de dengue (lugares com maior número de casos) estão muito próximos aos de leishmaniose visceral canina, sugerindo uma correlação espacial entre elas. “A pesquisa entomológica resultou na captura de grande quantidade de vetores de leishmanioses, responsáveis pela endemicidade e, consequentemente, da manutenção da doença nas mesmas quadras em que vetores de dengue foram encontrados”, pontua.
IMPORTÂNCIA DO LOCAL DA PESQUISA
“A importância de Teodoro Sampaio, como capital do Pontal do Paranapamnema, é a de ser um dos maiores municípios do estado e a cidade apresenta muitos fatores de risco para doenças infecciosas transmitidas por vetores como dengue e leishmaniose visceral. Está situada à margem do rio Paranapanema, possui clima quente e úmido e solo arenoso. Todas as cidades da região têm baixo índice de desenvolvimento humano e problemas com saneamento básico e educação”, explica para afirmar a importância da escolha do local para a pesquisa.
“Outro fator importante é o grande número de assentamentos distribuídos pelo município. Cães infectados com leishmaniose visceral canina e que deveriam ser sacrificados são levados por seus proprietários ou parentes para os assentamentos, o que pode estabelecer um ciclo rural da doença, que até o momento é essencialmente urbana. O projeto faz parte da tese de doutorado da cardiologista Charlene Troiane do Nascimento, que nasceu em Teodoro Sampaio e é grande conhecedora da cidade e de sua população”, comenta Euribel.