Aos fundos do palco, uma mulher negra de cabelos afros, demonstra a resistência ao segurar um negro (nu) em seu colo por cerca de 3 minutos. “245, 246, 247 dias”, são contados em desespero e com lágrimas de revolta pela atriz Grace Passô, que faz referência aos oito meses em que a defensora de direitos humanos, Marielle Franco, e o motorista Anderson Gomes foram assassinados a tiros no Rio de Janeiro. A chacina de cinco amigos em Costa Barros, e a execução da policial militar Juliane, encontrada dentro de um porta-malas, também foram lembrados com o intuito de retratar que os assassinatos de afros no Brasil ainda são uma realidade não reconhecida por parte da sociedade.
E não precisa ser especialista em artes cênicas para avaliar com maestria a atuação dos atores da Companhia Brasileira de Teatro no espetáculo “Preto”, apresentado em duas sessões no Sesc Thermas de Presidente Prudente. Às vésperas do Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado no dia 20 de novembro, o projeto traz questionamentos sobre a recusa das diferenças em nossa sociedade, e coloca em evidência a questão racial no Brasil. Com a quantidade de público restrita a 80 lugares, o palco preto é montado com jogos de luzes, sombras e efeitos sonoros, enquanto os atores fogem da quarta parede e transitam pela plateia.
Aos fundos do cenário, há um telão retangular, onde a montagem se articula a partir da fala de uma mulher negra que surge em transmissão de uma câmera posicionada ao canto do público. No bate-papo repleto de dúvidas sobre o racismo, a personagem Grace (que recebe o mesmo nome da atriz, assim como os demais recebem os próprios nomes), aponta as maneiras como lidamos com as diferenças, e como cada um se vê numa sociedade em que reside a desigualdade. Isso fica nítido quando a atriz Cássia Damasceno diz que vai cantar, no entanto, permanece calada e, com as curvas à mostra, retrata o negro visto como objeto até os dias atuais, o que passa imperceptível aos olhos de muitos.
Além da criativa encenação, o que nos deixa “vidrados” no espetáculo é a entonação de voz dos atores, que, cronologicamente, conforme os problemas sociais são demonstrados, tende a crescer e chega a causar desespero a quem assiste, o que remete à confusão mental das vítimas do racismo. Apesar de a peça ser marcada pela participação da global Renata Sorrah, esta não se torna a estrela do espetáculo, e, junto aos demais atores, discute a homossexualidade, nudez em tempos de censura teatral, o processo de envelhecer, ser mulher branca e famosa, o funk em periferias associado ao marginal, dentre outros assuntos.
PRETO
DIREÇÃO: Marcio Abreu
ELENCO: Cássia Damasceno, Felipe Soares, Grace Passô, Nadja Naira, Renata Sorrah e Rodrigo Bolzan
DRAMATURGIA: Marcio Abreu, Grace Passô e Nadja Naira
CLASSIFICAÇÃO: 14 anos
AVALIAÇÃO: ÓTIMO