“Aí, Dr., a ingratidão. Ajudei tanto esse empregado e agora ele me processa! Nunca mais nessa vida vou ajudar empregado! Só vou fazer o que a lei manda!”
Está aí uma das frases que mais ouço de empresários há 24 anos, sempre em virtude da seguinte situação: depois de vários anos de relação de trabalho na qual muitas das vezes o empregador de fato ajudou seu empregado em situações que não tinham qualquer relação com o serviço, este ingressa com ação trabalhista contra aquele pedindo, por vezes, milhares de reais, supreendendo o empresário.
Tirando o fato de que qualquer pessoa, mesmo sem razão, pode processar qualquer pessoa (direito fundamental constitucional de ação), e que um ex-empregado possa mesmo ter direitos “a receber”, não se vai analisar aqui se ele tem ou não razão ao processar, mas, da perspectiva do empregador, (i) se a sua surpresa se justifica, (ii) porque ex-empregados que foram ajudados processam seus ex-empregadores, e (iii) se o caminho a ser tomado daí em diante é mesmo o de não mais ajudar.
Sobre a surpresa, muito embora a situação seja corriqueira, é compreensível porque pelo fato de ter ajudado seu ex-empregado, “na cabeça” do empresário jamais passou ou passaria a ideia de que um dia poderia ser processado (“ele não faria isso”), por representar tal ato (o processo) para si uma enorme ingratidão.
Sobre o porque um ex-empregado ajudado processa, existem ex-empregados que são verdadeiramente muito gratos pela ajuda que tiveram e que sempre disseram que nunca iriam processar, mas que depois que saem da empresa se veem (e sua família) em situação financeira desfavorável, por vezes sem emprego e sem perspectiva de conseguir outro, não lhes restando alternativa senão ingressarem com a ação, como se esta fosse sua “tábua de salvação” financeira. Ou seja, acontece sim de a agora necessidade por dinheiro “falar mais alto” que a outrora gratidão pela ajuda.
Outra explicação reside no fato de que certos ex-empregados muito gratos, após a saída da empresa, “friamente” passam a separar, como se diz popularmente, amizade dos “negócios” (“desculpe, mas não é nada pessoal”).
Sobre o futuro, se o empresário deve ou não ajudar mais algum colaborador a partir da ação sofrida pelo ex-empregado, destaca-se que tal decisão é, antes de mais nada, pessoal.
A questão é interessante sobretudo porque em tempos de ESG - do qual o “S” se refere ao âmbito social, inclusive interno de uma organização – as empresas têm refletido e atuado além das suas obrigações legais, no sentido de não se restringirem ao que a “lei manda”, mas de fazerem algo a mais em razão do seu “papel social” de também “fazer o bem”, podendo-se afirmar que com a situação ora posta (processo por ex-empregado ajudado) um dilema se apresenta.
Para quem me pergunta se ainda assim deve ajudar, ainda que eu saiba que se trata de uma empresa, de negócios, de lucro, digo: “siga seu coração”. Como “ajudar” não é obrigatório, se o empresário achar que tem que ajudar, e se quiser ajudar, ajude, mas cumpra com as obrigações trabalhistas e, definitivamente, jamais (!!) ajude pensando que por causa desta ajuda seu colaborador nunca o processará, pois se ele um dia precisar, pode ser que lhe processe, especialmente se ao longo da relação de trabalho algum direito “ficou para trás” e não foi concedido.
Fernando Batistuzo é consultor jurídico empresarial em ESG (Governança Corporativa e Compliance). Educador corporativo/executivo (T&D). Presidente da Comissão de “ESG – Governança Corporativa, Compliance e Integridade” da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Presidente Prudente, associado do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), membro da Comissão Especial de Compliance da OAB/SP. Membro da Comissão da Advocacia trabalhista da OAB/SP.