Entreouvido na rua (3)

Sandro Villar

O Espadachim, um cronista amado por 220 milhões de brasileiros, segundo o IBGE

CRÔNICA - Sandro Villar

Data 23/07/2024
Horário 05:30

Dois homens conversavam numa rua de Prudente e dava para perceber que eles estavam bem "alegrinhos". Cada um portava uma garrafinha de cachaça. Davam sonoras gargalhadas, mas, de repente, a alegria sumiu da face deles dando lugar a uma certa tristeza. Motivo: a pinga acabou e, com garrafas vazias, foram embora para casa.
Também em Prudente outro cidadão alto como um poste olhava para os transeuntes com cara de muitos inimigos e não de poucos amigos. Olhar assustador e algumas pessoas até aceleraram o passo distanciando-se do homem de olhar esquisito, que deu "pinta" de estar bêbado.
Mãe e filha caminhavam pela rua na tarde cinzenta e, nesse tom de cinza, dava a impressão que São Pedro, a qualquer momento, abriria as torneiras do céu para molhar a terra e as cabeças de justos e injustos (nossa, que poético!). A chuva, porém, não caiu.
De volta à mãe e à filha. Elas conversavam de um jeito não muito amistoso, como seria normal entre pais e filhos. A mulher reclamava do marido, que, como é óbvio, era o pai da garota.
Dizia a mãe: "Seu pai não presta, é um mulherengo safado e ainda por cima passou do limite na bebida. Bebe demais. É uma bebeção danada e eu não aguento mais". A filha ouviu a queixa e comentou: "E eu com isso? Quem casou com ele foi você".
A mãe fez muxoxo e com passos apressados, temendo o toró que poderia cair, as duas foram em frente na tarde cinzenta ou, como diz o tango, "en esta tarde gris".
Achei bacana o neologismo que a mulher criou: bebeção. Se o seu marido, prezada leitora, enche muito a cara, diz pra ele parar com essa bebeção, sinônimo burlesco para bebedeira.
Outras duas mulheres, ambas já batendo biela, ou seja, de provecta idade, conversavam sobre beleza em animado papo na calçada. Uma falava que ia mudar a cor dos cabelos, pintando-os com a cor de chocolate. E recomendava a mesma cor para a amiga já meio corcunda ou cacunda, como dizia minha avó.
"Fia, ocê tem razão. Vou tingir de chocolate pra ficar mais bonita", disse, exultante, a cacunda. As duas são loiras de farmácia ou oxigenadas, com cabelos lisos tipo "o boi lambeu".
E na rua uma amiga encontrou de novo o seu Caldeira, um português de 96 anos. Mais magro que o mapa do Chile, ele ficou viúvo não faz muito tempo. Não para de andar. Vai pra cima e pra baixo, batendo perna e gastando sola de sapato.
"Fui militar em Portugal, servi ao Exército no tempo do Salazar e aqui está a prova". No caso, a prova é a carteira de militar que, orgulhosamente, ele já mostrou para a amiga umas 15 vezes. Até entendo o seu Caldeira.
Assim como certos personagens não "desencarnam" de muitos atores, como aconteceu com o Johnny Weissmuller, o melhor Tarzan do cinema, certas profissões, ao que parece, nos acompanham pelo resto da vida.
Eu, por exemplo, tento me livrar da síndrome de biscateiro e, por isso, acho normal o comportamento do seu Caldeira. Olha aqui, pessoal: o verbete biscateiro vai aqui no bom sentido, é o sujeito que faz "serviços de forma não fixa", como explica o Dicionário Informal. Desculpem o mau jeito e não me levem a bem, quer dizer, a mal.

DROPS

Amigo do peito é cardiologista, do seio é silicone.

Falta peneira no mercado. O governo comprou todo o estoque para tapar o sol.

Velha pelancuda em praia de nudismo é o tipo de nudez que merece ser castigada.

Evolução mesmo no Brasil só a das escolas de samba e isso depende do carnavalesco.
 

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