Uma criança nasceu numa pequena cidade do Estado de Minnesota, nos Estados Unidos. Cresceu ouvindo sons dos ventos rasgando as planícies. Queria contar histórias através das cordas do seu violão. Um outro menino nasceu em Sobral no interior do Estado do Ceará, num país chamado Brasil. Desde a sua infância já era um repentista e cantava nas feiras. A filosofia sempre o atraiu. Esses dois meninos iriam marcar a história da música.
Uma ponte cultural interliga uma conexão entre esses dois ícones da música. O americano Bob Dylan e o brasileiro Belchior oferecem ao mundo um diálogo musical onde expressam realidades e culturas diferentes. Os temas sociais, existenciais e filosóficos fazem deles cronistas e poetas de seus próprios tempos. Dylan e Belchior se conheceram em 1990 durante o festival Hollywood Rock, no Estádio do Morumbi, em São Paulo. Gilberto Gil organizou esse magistral encontro. Apresentou Belchior a Dylan como sendo o "Bob Dylan brasileiro". Dylan retribuiu a gentileza sugerindo que ele fosse o Belchior na América. Ele conhecia as músicas de Belchior.
Eu tive a honra e a felicidade de patrocinar o show de Belchior no Teatro Cesar Cava, trazido pelo amigo André (sabia que era fã de Belchior), cujo nome desse projeto era muito poético: "Acorde Para Ouvir". Depois fomos jantar no Restaurante Tacchino e levei o amigo Tiago. Conhecemos não só o músico, e sim um filósofo. Um cara simples e humilde que soube expressar as angústias da minha geração. A música "Como Nossos Pais" diz tudo.
Enquanto os versos de Bob Dylan na sua canção atemporal, “Blowin' in the Wind”, lançada em 1963, que embora tenha sido descrita como uma canção de protesto, ele coloca uma série de perguntas retóricas sobre a paz, a guerra e a liberdade. O refrão "The answer, my friend, is blowin' in the wind" (literalmente "a resposta, meu amigo, está soprando no vento"), Belchior era apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco e sem parentes importantes.
Não há uma letra desses dois grandes compositores que não levem a uma reflexão profunda sobre o cotidiano, sobre o dia a dia de cada realidade. Compunham músicas que vão além da compreensão dos tolos. Cantavam e se indignavam através de suas músicas abrindo as mentes e os corações, mostrando o mundo como ele é e como o sistema afeta as pessoas.
Disse Belchior na sua música “Fotografia ¾”: "Veloso, o sol não é tão bonito pra quem vem do norte e vai viver na rua". Dylan cantou na sua icônica música “Like a Rolling Stone”: "Era uma vez você se vestia tão bem/ Você jogou centavos para os vagabundos no seu auge, não foi?" Será que a verdade é tão intangível quanto o vento?
O poeta preferido de Belchior era Olavo Bilac e o italiano Dante Alighieri. Bob Dylan é cultuado e cultivado como uma planta raríssima, regada com águas de admiração e respeito. Belchior abandonou sua carreira, vivendo dez anos no anonimato deixando dúvidas e perguntas sem respostas. A Divina Comédia humana onde nada é eterno. Dizem que foi um período feliz da sua vida, onde viveu sem compromissos, vivendo apenas de filosofia. Como diz os versos de sua canção “Alucinação”:
"Mas eu não estou interessado em nenhuma teoria
Em nenhuma fantasia, nem no algo mais
Longe o profeta do terror que a laranja mecânica anuncia
Amar e mudar as coisas me interessa mais..."
A resposta meu amigo está soprando no vento...