Vinha caminhando pela rua, algo tranquilo, como se nada estivesse acontecendo, coisa que, de fato, tem sido a realidade nesses últimos tempos. Ao que parece, calmarias assim têm sido duradouras, fortuitas, mas temerárias. Impossível que assim seja, sempre, como bem sabemos. Um homem, bem vestido e idade avançada esbarrou em mim, aparentemente, por descuido e desatenção, dizendo em seguida:
_ Desculpe, vinha distraído, com pensamentos, de modo que não o vi.
_Não há problema, não se preocupe, respondi. Seguimos, cada um pelo seu caminho.
Dias depois, lendo o jornal, reconheci a foto daquele nobre senhor. Reportagem de capa, no caderno Ilustríssima, dava conta da existência daquele indivíduo, escritor famoso, melhor contista brasileiro de todos os tempos, falecido, porém, naquela semana. O vampiro se foi, parcialmente, devo dizer, pois a obra não se vai, certamente, nem hoje e nem nunca mais. Comprei um de seus livros naquele instante, o segundo dele, que agora possuo.
Li um de seus contos dias depois, mas não pensei mais nisso, o assunto esteve ausente, até que, hoje, me vi pensando naquela figura que esbarrou em mim aquele dia. Acasos curiosos, vou pouco a Curitiba, quase nunca para falar a verdade, e nessa oportunidade, pude trocar poucas palavras com o grande vampiro.
Veja você, estou agora tomado pela ideia fixa de refletir em qual pergunta poderia ter feito a ele, caso o reconhecesse, de imediato. Mesmo depois de pensar por dias e semanas, quase todo o tempo, ainda não encontrei as palavras certas, tampouco a ordem correta das mesmas, nem mesmo, o estilo e o tema. Desconcertante pensar nisso, e me pareceu agora, ao voltar ao tema, algo inútil.
Recebi, contudo, na última segunda feira, mensagem do além, em forma de pensamentos e de uma tristeza profunda e inexplicável. Estava, pela primeira vez, organizando meus textos para a edição de um livro de contos, modesto, devo dizer, experimentações literárias, fruto de um processo lento e moroso de descobertas que as letras podem proporcionar. Relendo um dos textos, escrito há, pelo menos, 18 anos, senti uma tristeza indizível e que, ainda posso sentir agora, nesse momento, com menor intensidade.
Pensei no vampiro e na sua vida reclusa, nas escolhas que precisou fazer, talvez, pela literatura. Entretanto, e talvez seja esse o fato notório, os eventos em si não possuem relações tangíveis e a mente, essa pregadora de peças, como se dizia antigamente, pode, facilmente, nos enganar e nos levar ao erro. Mas como interpretar a tristeza do espírito ao contemplar a obra, imperfeita, a que nos propusemos realizar?
_Nobre escritor, mestre da síntese, me permita, com toda deferência, lhe perguntar algo sem importância e de relevância íntima. Saberia me dizer, o que podemos fazer com a escrita que insiste em fazer de mim um escravo a seu serviço? Mesmo que, e apesar de, fugir dela quase que sistematicamente, todos esses anos? Existiria outra solução ao espírito inquieto que não passe pela a disposição das palavras em uma narrativa qualquer?