Código-fonte, registro de “logs”, biblioteca de “software”, “datasets”. Para o cidadão comum, há tempos que o sistema eleitoral brasileiro é como se fosse um exame de eletrocardiograma. Ele olha aqueles rabiscos aparentemente aleatórios no papel e não tem absolutamente nenhuma ideia do que significa, precisando confiar exclusivamente no especialista que lhe diga qual foi o resultado.
O que deveria, em tese, ser simples, isto é, saber conferir qual lado juntou mais votos do que o outro, é algo que necessita ser revelado por oráculos da ciência e engenharia computacional e eletrônica.
Curioso é que o Tribunal Constitucional Federal alemão, ao qual grande parte dos juristas brasileiros dispensa sacrossanta devoção, no ano de 2009 acabou por impedir que as eleições germânicas se dessem pelo meio eletrônico, justamente porque a eleição como fato essencialmente público e requisito da democracia deveria, como efetivamente deve, assegurar um processo “compreensível”, de forma que qualquer cidadão pudesse dispor de meios de averiguar a contagem de votos, bem como a regularidade do pleito, sem a necessidade de possuir, para tanto, conhecimentos de um cientista da Nasa.
No Brasil, a votação eletrônica implementada desde a década de 90 nunca foi objeto de polêmicas relevantes, visto que aquele oráculo que revela o resultado final, de maneira inquestionável, é o Poder Judiciário, que sempre mereceu, como sem sombra de dúvidas ainda merece, grande respeito e credibilidade perante o povo, mormente porque as Cortes mantinham-se equidistantes das disputas políticas.
Contudo, de uns anos para cá, justificadamente ou não, e nem cabe aqui discutir tal ponto, o Judiciário passou a integrar ou ser arrastado para a arena política, sendo muitas vezes visto como um ator que participa diretamente do pleito, sendo esse um dos principais problemas da chamada “Judicialização da Política”.
Evidentemente que ao deixar de ser notado como simples observador da contenda e ser entendido como alguém mais incisivamente integrante do jogo, esse oráculo pode perder sua áurea de infalibilidade, e a proclamação do resultado por ele, ao invés de aplacar e apaziguar os combatentes, termina por reacender e aprofundar as paixões políticas.
Talvez seja o momento de repensar, pelo menos para as próximas eleições, a possibilidade de um sistema eleitoral que tenha a característica de aliar a tecnologia com uma simplicidade palpável e ao alcance das mãos, no qual o principal destinatário das eleições – o cidadão – possa conferir e entender perfeitamente o escrutínio, como bem ponderaram os sábios juízes alemães.
Enquanto isso não ocorrer, a tendência será de cada vez, infundadas ou não, mais dúvidas, porque no final das contas, em qual praça fica o espelho d’água desse diabo de código-fonte?