Em casa na rua

OPINIÃO - Thiago Granja Belieiro

Data 22/03/2025
Horário 04:30

Três homens, magros, dois pardos e um negro, visivelmente bêbados, estão alinhados na calçada. O primeiro deles parece absorto e concentrado em manter a postura, o segundo, segura o riso e procura se portar da maneira esperada para a situação, embora cambaleante e constrangido, o terceiro sorri, balança o corpo para frente e para trás, não parece levar a sério a cena constrangedora do qual é protagonista. Sua alegria desconcerta e irrita o policial militar à sua frente, branco, alto e bem forte. Ele diz: 
_ Está rindo do quê cidadão? Se comporte, você está sendo abordado pela Polícia Militar!  
A frase, com o intuito de impor respeito, na realidade, impõe medo aos três. Acusação? Nenhuma. Estão ali na calçada, em frente à feira, tomando corote e se divertindo. Mas estão à margem e uma das funções da corporação é a repressão dos marginalizados. O soldado pede que mostrem seus pertences. Mochilas velhas e esfarrapadas, provavelmente, encontradas no lixo. Algumas roupas velhas e sujas, isqueiros, cigarro, um corote, um ou outro documento e algumas moedas. São essas as propriedades. O policial parece garboso, cioso de seu nobre trabalho. 
_ Vamos colocar todo mundo mão na parede! Ele quase grita. 
Os rapazes se ajeitam e procuram não cair e principalmente, tentam não rir. Alegria etílica e certeza de “não estar devendo”. Os transeuntes assistem com um misto de curiosidade, superioridade e certa aversão. “Em terra de cegos quem tem um olho é rei” e assim parecem se comportar, como melhores, apenas pelo pouco a mais que possuem. Quando não é o dinheiro e as posses, é o asseio, o trabalho, a religião, a moral e os bons costumes que fazem com que se vejam assim. O agente da ordem repressiva é um deles e por isso congratulam-se coletivamente na repressão aos marginalizados. 
Acabada a humilhante cena da revista, sob aplausos silenciosos do populacho, o policial os libera da posição, pedindo, educadamente, que recolham seus pertences e procurem o caminho de casa. O faz como se não soubesse que naquele momento, a calçada era a “casa” daqueles “cidadãos”. O policial vai embora, com orgulho do dever cumprido. Os rapazes podem voltar a sorrir, com certo alívio e alguma descontração, que vão recobrando aos poucos. Mais tarde, um deles, o mais alegre e sorridente durante a abordagem, pôde ser visto passando, animado, dando risadas altas e contando o causo a outro de seus amigos: 
_ Vixe fi, não deu nada não, nada consta tá ligado, os homi quiseram recriminar nóis só porque a gente tava ali tá ligado, tomando uns corote nosso que conseguimos no corre, hahahaha, os caras acha que nóis é bandido fi, quem dera, se fosse num tava na rua não!
Ao chegar entre os seus, é recebido com festa e pedidos de um gole do corote que traz na mão. Todos precisam de certo alívio, ainda que passageiro, paras as desgraças da vida. Cidadania curta e oprimida, manifestada naquela abordagem desnecessária e desproporcional. 
 

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