«Ao longo da viola amorosa
Vai adormecendo a parlenda,
Sem que, amadornado, eu atenda
A lengalenga fastidiosa.
Sem que o meu coração se prenda,
Enquanto, nasal, minuciosa,
Ao longo da viola morosa,
Vai adormecendo a parlenda.
Mas que cicatriz melindrosa
Há nele, que essa viola ofenda
E faz que as asitas distenda
Numa agitação dolorosa?
Ao longo da viola, morosa... »
Camilo Pessanha, poema Viola Chinesa, in Clepsidra,
Decorria o ano de 1999, ano extremamente cheio de simbolismo, por marcar o término de um século e de um milénio, quando Macau deixou de ser um território português no extremo oriente; esta pequena região administrativa, teria sido o primeiro entreposto comercial europeu na Ásia, aonde chegaram os primeiros navegadores, entre 1553 e 1554, e onde se mantiveram perseverantes e irredutíveis, até 1557, quando, finalmente, tiveram autorização para se estabelecerem permanentemente.
Ao longo de quatro séculos, num pequeno espaço de 24 km2, desenvolveu-se uma interculturalidade ibérica e asiática, com uma florescente pluralidade de povos, saberes, sonhos e motivações, os quais acolheram e fizeram desabrochar um grande número de poetas chineses e portugueses, os quais cantaram a saudade, o amor, a tristeza, o sonho, o vazio e a esperança.
Ao longo de quatrocentos anos e mesmo em períodos de guerras internas e mundiais, mesmo em momentos de crise económica, mesmo num período de barreiras comerciais contra o Japão e de desconfiança em relação à Europa, Macau fora o intermediário comercial desses territórios e a China. Num espaço sempre aberto, de miscigenação, de partilha, desde a arquitetura à língua falada pelas ruas e pelos lares, passando pela gastronomia e pela religião, Macau celebra a cultura e a interculturalidade.
No Templo de A – Má ou nas Ruínas de São Paulo, ambas consideradas património da humanidade pela Unesco, se encontram espelhados a hospitalidade de quem acolhe o outro e o profundo respeito pela cultura que esse traz.
O Centro Histórico de Macau, de arquitetura e urbanização tipicamente lusitanas, é bem exemplo disso, com as suas calçadas tradicionalmente portuguesas, com os seus inúmeros cafés, onde são servidos deliciosos pastéis de natas, esta delícia nativa de Belém – Lisboa.
Desde sempre, cosmopolita e magnífica, atraente e misteriosa, Macau ainda saúda a Lusofonia.