Dois ciclistas são atropelados por veículo na estrada da Cica

Caso ocorreu na noite desta terça enquanto grupo de atletas realizava treino na Avenida Comendador Alberto Bonfiglioli; coletivo de cliclistas relata necessidade de conscientização por parte dos motoristas

PRUDENTE - CAIO GERVAZONI

Data 10/11/2021
Horário 19:28
Foto: Cedida
Por volta das 19h desta terça, dois ciclistas foram atropelados e tiveram ferimentos – um deles precisará passar por cirurgia
Por volta das 19h desta terça, dois ciclistas foram atropelados e tiveram ferimentos – um deles precisará passar por cirurgia

Um treino de ciclismo speed da equipe Locomotiva Irontri quase acabou em tragédia na noite desta terça-feira, na Rodovia Comendador Alberto Bonfigliolli, popularmente conhecida como estrada da Cica, em Presidente Prudente. Por volta das 19h, dois ciclistas foram atropelados por um motorista, que dirigia uma camionete Fiat/Toro. Ambos passam bem, mas um dos atingidos pelo veículo, o ciclista Luís Atência precisará passar por uma cirurgia, na tarde desta quinta-feira, para colocar uma placa de titânio no braço esquerdo, fraturado pelo impacto. 
Luís narra o episódio e conta que o grupo era formado por oito pessoas - dois ciclistas da linha de frente do pelotão conseguiram desviar do veículo - mas ele e o outro ciclista atingido pelo impacto, Sandro Gomes, não tiveram a mesma sorte. “Nós estávamos treinando ali, de bicicleta, descendo sentido a represa da Cica, na nossa mão, e o carro, não sei se ele tirou para ultrapassar ou o que aconteceu, invadiu a nossa pista”, conta Luís sobre o ocorrido. “No que o motorista invadiu a pista, dois conseguiram sair. O carro atingiu o Sandro de raspão e, em mim, o veículo pegou em cheio na lateral”, confidencia o ciclista, que bateu a cabeça no vidro do carro. “Estou estável, amanhã irei passar por uma cirurgia. Agora, estou bem, acho que devido aos remédios para sedar a dor”, completa. 
Sandro Santos, um dos ciclistas atingido pelo veículo, sintetiza que o ocorrido desta terça “foi muito rápido”. De acordo com o atleta, o carro vinha subindo, sentido centro, por volta de 70 a 80 km/h. “Não sei dizer exatamente como fui atingindo. A gente realmente não conseguiu fazer nada. O jeito que ele jogou o carro, atravessando a faixa dupla contínua, acertou o pelotão em cheio”. Sandro embarga a voz ao relatar o momento que viu o amigo de treino caído no chão. “É difícil. Me preocupo muito com o próximo, e ontem no acidente, quando o Luís caiu ao meu lado e olhei para ele sem consciência, tive uma sensação de ver um amigo meu morto, até que, não sei se eu o chamei – na minha cabeça as coisas não estão tão claras ainda – e ele, acho que retomou a consciência, começou a pedir por ajuda. Foi a melhor coisa escutar ele pedir por ajuda, porque achei que meu amigo estivesse morto”, discorre. 

Movimento por conscientização

No começo da tarde desta quarta-feira, quatro ciclistas da equipe Locomotiva Irontri reuniram-se na Academia Winner , na Avenida da Saudade, para relatar à imprensa o ocorrido de ontem e reivindicar à sociedade e às autoridades competentes maior conscientização por parte dos condutores de veículos automotores com a comunidade ciclística de Presidente Prudente. Farmacêutico e ciclista nas horas vagas, Evandro Rapchan presenciou o atropelamento dos companheiros de equipe. “Eu era um dos últimos homens do pelotão e só acabei vendo o impacto. Acabei escorregando e caí na terra, mas não aconteceu nada de grave comigo”. Conforme indica Evandro, falta conscientização na sociedade para o entendimento das leis que regulam o trânsito. 
O educador físico, Paulo Leite, relata que o atropelamento dos ciclistas na noite desta terça-feira simboliza um “basta” para que acontecimentos como este não se repitam. “Nós gostaríamos de usar este ocorrido não só para ficar falando de acidentados e agressor, mas para a gente falar que isto é recorrente, não só para nós aqui, como é em todo lugar onde se tem equipe de ciclistas. A coisa está tomando uma dimensão que ela precisa que as pessoas se conscientizem em relação a esse contexto de desrespeito a quem anda de bicicleta”. Para Paulo, ao passar por alguém que está pedalando, não custa nada ao motorista respeitar os limites de velocidade e distância, de um metro e meio de distância do ciclista, como prevê o artigo 201 do CTB (Código de Trânsito Brasileiro). “Qual é a dificuldade que se tem nisso?”, questiona o educador físico. 
O ciclista amador Marcelo Nunes, que também trabalha de moto como entregador, descreve que há um enraizamento na cultura urbana de falta de educação no trânsito. “A educação nossa de trânsito aqui em Prudente difere de muitas cidades onde se há uma conscientização. E pelo o que a gente vê, está piorando. Nós estamos tentando puxar uma pontinha desta fresta, porque a grande realidade está difícil, principalmente, para nós pedalarmos no perímetro urbano ou até rural temos que passar pela cidade”. De acordo com Marcelo, questões de ódio e rancor da sociedade fazem com que alguns motoristas projetem sua raiva no veículo que dirige e, nisso, “acabam esquecendo que quem está ali em cima de uma bicicleta é um ser humano”. 
Para a educadora física e ciclista amadora, Valéria Boni, a questão vai além da educação no trânsito. “É uma questão humana. É conscientização do motorista. É uma situação que passou a ser desumana e que foge às regras da CTB”, pontua. Valéria questiona: “Parecemos animais? É um territorialismo isso?  O motorista é o macho alfa da rodovia? O ciclista então não pode passar por ali? E as pessoas que usam a bicicleta como meio de locomoção para o trabalho ou escola. Como ficam?”. E ontem mesmo, a educadora física passou por uma situação ameaçadora. Segundo ela, enquanto praticava o treino na estrada da Cica, por volta das 18h, um motorista, com seu veículo, “tirou um fino” da bicicleta de Valéria. “Para quem é leigo para essa expressão, tirar um fino é desrespeitar o limite de um metro e meio do ciclista ou pedestre. O motorista buzinou, tirou um fino e ao indagá-lo pela atitude irresponsável, ele afirmou: ‘Você tá sem sua lanterna, quer morrer é?’”, relata. Vanessa indica que ainda estava claro e não tinha necessidade, de naquele momento, ligar a sinalização da bicicleta. “São situações desagradáveis, perigosas e que não podem se repetir”, completa. 

Membros do Ciclo Comitê

Ademir Alves Júnior, o Dema, ciclista e membro do CCP (Ciclo Comitê Paulista) - órgão criado em 2018 para discutir ações e planejamentos para o uso da bicicleta no Estado de São Paulo – descreve, com perplexidade, o acidente desta terça como uma “loucura”. “Numa situação dessas, um pai, uma mãe, filho ou filha, acaba perdendo a vida, porque alguém jogou o carro em cima de nós ciclistas”. Dema relata que o artigo 201 do CTB funciona no papel, mas não se confirma na realidade. “Quando se tira a habilitação, a gente estuda e aprende que o mais forte protege o menor. Ou seja, o carro protege a moto, a moto protege o ciclista e assim sucessivamente”, argumenta. 
Dema faz uma analogia com um episódio do personagem Pateta, da Disney, que muda seu temperamento ao assumir o controle de um veículo. “Cara, aquele desenho do Pateta dirigindo no trânsito representa bem a situação destes motoristas que atentam contra a vida humana”.
 Membro-titular do Ciclo Comitê Paulista e cicloativista de Campinas (SP), Eduardo Gomes, relata que o primeiro princípio do trânsito é que os condutores de veículos devem compartilhar a via em que trafegam. “A gente, como ciclista, não pode andar numa calçada e impedir que o pedestre caminhe por ali. É a mesma coisa para os veículos em via pública. O motorista não é dono da via, ele tem que obedecer às regras de trânsito”. Para o cicloativista, faltam portarias do Estado de São Paulo para incentivar o modal ciclístico. “Inclusive, uma recente portaria, a 122, de 15 de outubro, publicada pelo DER [Departamento de Estradas e Rodagens], proibia a prática do ciclismo de estrada, mas ela foi revogada pela pressão da comunidade ciclística”. 
Para o advogado Aparecido Inácio Medeiros, o caso desta terça revela um “ato de vingança” do motorista aos ciclistas e vai para além da conscientização. “É uma questão criminal, de Código Penal. Pelo que pude ver nos vídeos compartilhados pelas redes sociais, este motorista deve ser processado pelo crime que cometeu e o delegado irá tipificar de acordo com a gravidade, quantidade de pessoas envolvidas, horário local e a situação das vítimas”. De acordo com o advogado, “o fato em si mostra que há uma falta de consciência em entender que a bicicleta é um modal de transporte, seja a lazer ou a serviço”. 

Boletim de ocorrência

Conforme o boletim de ocorrência do caso, diante dos testemunhos de quem presenciou o atropelamento, o delegado responsável indicou que o motorista cometeu lesão corporal culposa, conforme o artigo 303 da Lei 9503/97, que indica detenção, de seis meses a dois anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. 
Já em um post publicado em uma rede social, o médico gastroenterologista, Márcio Crellis, desabafou sobre o motorista: "Jogou o carro para cima de mim em duas ocasiões, criminoso, tem que ser preso, se precisar de mim posso ser testemunha!".

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