A ninguém surpreende a afirmação de que os contratos exercem um papel relevante na ordenação da sociedade, sobretudo porque existem necessidades ou conveniências humanas que se prolongam no tempo. Numa tentativa de controlar o futuro e de garantir certa segurança, o gênio humano construiu a noção de contrato, em cuja base está a promessa de realização de alguma atividade benéfica a outrem.
Assim, os riscos e as incertezas próprias do decurso do tempo tendem a ficar reduzidos a partir do conteúdo de cláusulas contratuais; por isso é que se diz que o contrato é instrumento de alocação de riscos. Essa noção fica bem remarcada nos contratos de duração, que são aqueles em que as obrigações ou as prestações se sucedem no tempo, tal como se verifica na locação, no contrato de plano de saúde e nos empréstimos bancários, por exemplo.
Num cenário ideal, os contratos já nascem equilibrados e assim permanecem durante toda a sua execução. Entretanto, as relações contratuais não estão imunes a acontecimentos imprevisíveis, extraordinários, inevitáveis. E a pandemia de Covid-19 está aí para demonstrar que, de uma hora para a outra, as expectativas de segurança criadas em torno dos contratos podem ruir. De fato, as necessidades de distanciamento social e a consequente paralisação das atividades de inúmeros agentes econômicos são aptas a gerar, dependendo do caso, impactos bastante negativos na execução dos contratos.
É claro que os efeitos da pandemia de Covid-19 não atingem todos os contratos e todos os agentes econômicos de maneira idêntica. Aliás, existem atividades que, por força mesmo da pandemia, se desenvolveram exponencialmente (produtores de máscaras e de álcool em gel, por exemplo).
Mas aqui se chama a atenção para as hipóteses em que os efeitos da pandemia mostram-se desastrosos e geram um quadro de onerosidade excessiva, isto é, um desequilíbrio superveniente causado por forças que os contratantes não podem controlar. Isso pode ocorrer, por exemplo, nas locações de espaços em shopping centers, cujo fechamento embaraça a fruição, pelos locatários, das prerrogativas inerentes a esse tipo de contratação.
É para esse contexto que se destaca a existência do dever de renegociar, extraído dos ditames da boa-fé, entendida como um padrão de conduta ética que leva em conta os interesses da outra parte da relação contratual, sobretudo na consideração de que os contratos exercem importante função social e, por isso mesmo, devem ser conservados. Dessa forma, incumbe às partes de uma relação desequilibrada por acontecimentos supervenientes tentar restaurar o equilíbrio originário, mediante tratativas sérias que pressupõem diálogo com boa-fé.