Me lembrei de uma experiência que vivi que me inspirou a escrever essa crônica. Há muitos anos atrás, estava em San Francisco na Califórnia, onde minhas irmãs Mariza e Cássia moram. Num domingo de sol, perguntei para o meu cunhado Christopher se ele sabia um local onde eu pudesse bater uma bola. Ele conhecia um local onde imigrantes latinos jogavam uma pelada, se sentiam mais próximos dos seus países. Sendo brasileiro fui logo escolhido. Um peruano e um argentino foram meus parceiros para compor o meio de campo.
Numa certa altura do jogo, um americano fez um gol incrível de bonito, saiu com os braços erguidos para o céu gritando: gol de Pelé, gol de Pelé. Senti um orgulho forte de ser brasileiro, Pelé estava presente.
Deus olhou para a Terra e disse: Você vai nascer numa cidade chamada Três Corações, num país pouco conhecido chamado Brasil. Vai ter uma infância pobre, mas digna. Vai trabalhar como engraxate para ajudar sua família. Vai praticar um esporte que vai ser sua grande paixão, chamado futebol. Vai se tornar o maior jogador de todos os séculos e o mundo o chamará de Rei do Futebol. Jogará num time de uma cidade do litoral paulista chamada Santos. O uniforme desse teu time é todo branco. Vai apresentar seu desconhecido país para o mundo ganhando o campeonato mundial com apenas 17 anos num país chamado Suécia. Vai dar muitas alegrias ao mundo e elevará a autoestima do seu povo. Você vai ser a verdadeira alegria do povo.
Ver você jogar vai fazer os mortais sentirem que a vida é bela, mesmo a realidade sendo áspera. Eles vão se sentir abençoados e privilegiados. Farás do Santos o segundo time dos torcedores adversários. Sua aura mística vai interromper uma guerra num país africano para que os lados em conflito te vejam jogar. No seu milésimo gol, lembrarás das crianças e pedirás para olharem para elas. Farás pelo seu país através do seu talento divino muito mais do que tentar ser um político. Inspirará gerações de jovens e todos vão sonhar em ser você, desde os mais pobres aos mais ricos, desde os mais humildes aos mais nobres. Sua cor será negra.
Jogará com a camisa número 10 que se tornará um número ícone, uma camisa mística que simbolizará a máxima beleza e se tornará um referencial de extrema qualidade. Todo jogador, seja profissional ou amador, que fizer um bonito gol, vão dizer que foi um gol de Pelé. Pelé? Sim seu apelido será Pelé por causa do seu ídolo que vai ser um goleiro do modesto time do Vasco de São Lourenço do interior de Minas Gerais. O nome dele é José Lino da Conceição Faustino, o "Bilé". Seu pai mortal, o Dondinho, jogará nesse time. Irás pronunciar esse apelido de forma equivocada na escola e te chamarão de Pelé. Sei que não irás gostar e vai preferir ser chamado de Edson, porque seu pai colocou o seu nome de Edson para homenagear Thomas Edison, o homem que inventou a lâmpada.
Não se preocupe, você reinventará o futebol. Seus dribles serão desconcertantes, seus gols serão paixões de amores impossíveis, sua velocidade será acima dos normais, seu cabeceio vai ser perfeito e mortal, sua impulsão será fenomenal e serás ambidestro. Darás magia, inspiração, sonhos e esperanças com seu incomparável talento. Nos gramados verdes se sentirás que és um filho de Deus. Mostrará a sua raça negra que tudo pode naquele que o fortalece. Vai ser recebido com honras por reis, rainhas, presidentes, papas e mostrarás que as peles são feitas de cores, mas não há tinturas nos corações.
Edson cometerá pecados e Pelé vai ser infalível. Estarei sempre ao seu lado e quando chegar a sua hora de sair do mundo dos humanos, te chamarei para irmos caminhando pela eternidade com a sensação de missão comprida. Vou te levar para outros mundos. O mundo chorará e Pelé ganhará a imortalidade, provando que Deus existe. Pai me abençoe, o "Senhor é a minha força e o meu escudo; nele o meu coração confia, e dele recebo ajuda". Assim nasceu Pelé.
