Deepfakes e eleições: um passo além do falso

OPINIÃO - Américo Magro

Data 12/12/2023
Horário 05:00

Entre nós e os argentinos subsiste uma perene relação de amor e ódio. Temos com os hermanos uma rivalidade abrangente (especialmente no futebol) e, porém, são os argentinos nosso terceiro maior parceiro comercial, vinculados por compromissos históricos – fomos, ainda sob Portugal, o primeiro a reconhecer a independência deles e eles foram os primeiros a reconhecer a nossa. 
Nossas ligações mais nos aproximam do que as diferenças nos afastam, e isto também se aplica à realidade política. A Argentina sai de uma disputada eleição à presidência, muito conturbada pelo “auxílio” do tema do momento, a inteligência artificial (IA) – desta vez a elevar o deletério fenômeno das fake news a níveis mais perigosos. 
Avaliar o que ocorreu no pleito argentino pode ser uma janela para o futuro que viveremos aqui no Brasil no próximo ano, quando teremos eleições municipais, bem como em 2026, ano de eleições nacionais. As fake news (portanto, as notícias falsas) abrangem toda informação falsa intencionalmente criada para parecer credível e, assim, levar o leitor, e especialmente eleitor, a engano. 
Na realidade eleitoral, o falso pode desmerecer um candidato, imputando-o uma condenação inexistente, ou atacar determinada pauta, desacreditando-a com base em pesquisas fajutas. O fake não deriva do erro, mas do propósito de manipular o eleitor, e seu voto, para um ou outro lado. Ao menos desde 2019 a Justiça Eleitoral preocupa-se em combater (ora didaticamente, ora com excesso) a desinformação provocada pela difusão coordenada de fake news, que pode gerar, para partidos, candidatos e provedores de aplicações de internet, todo tipo de penalidade, como multas, desaprovação de contas, direito de resposta, abuso de poder e, inclusive, prática de crime. 
O problema é que convivemos hoje, e assim se viu no pleito argentino, com uma evolução das fake news: as chamadas deepfakes, nome dado à manipulação sofisticada de sons, imagens e vídeos que permitem a criação de conteúdo próximo à realidade. Por intermédio de aplicações de inteligência artificial tais montagens se tornam muito mais fidedignas, tanto que foram vastamente utilizadas por ambos os candidatos argentinos no segundo turno, cada qual incluindo o opositor em cenários nada cândidos, inclusive criminosos. 
Tais criações podem influenciar perigosamente a opinião pública e afetar o equilíbrio de qualquer pleito eleitoral – uma coisa é compartilhar um factoide de que tal candidato é usuário de drogas, outra é gerar, pela IA, um vídeo que falsamente o mostra usando entorpecentes. Este é o desafio que se põe: o eleitor, cercado de suspeitas, de tudo desacredita. Candidatos e instituições não estavam preparados para os efeitos da desinformação, e menos ainda estão para enfrentar os perigos da IA. O futuro chegou, e não é nada otimista.
 

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