Crônica de Iaiá nº 03 – Na reunião !!!

OPINIÃO - Aldir Guedes Soriano

Data 25/06/2024
Horário 04:30

São Paulo, 8 de outubro de 2040

Na companhia de seu assistente robótico, Thomaz Lúcio entra no elevador do Brasil Século 21, o prédio mais alto do mundo com 257 andares, situado na Avenida Paulista, próximo ao Masp. Estava preocupado com a crise conjugal de Micaela e Iago. À medida que o elevador nֻº 17 sobe, Lúcio se tranquiliza. Fazia discretos exercícios respiratórios enquanto contemplava a cidade. Cada vez mais alto... cada vez mais leve, mais alto... mais calmo. O azul límpido do céu de brigadeiro lhe transmitia tranquilidade. Ao mirar em direção à zona norte, podia visualizar as águas diáfanas do Rio Tietê singradas por pequenas embarcações repletas de turistas estrangeiros. Voltando-se para o sudoeste visualizava a Ponte Estaiada e as águas despoluídas do Rio Pinheiros.
— Mestre, posso notar que, apesar da tensão desta manhã, o senhor está se saindo muito bem. Percebo isso através das ondas eletromagnéticas que o seu coração está emitindo neste momento.
— Isso parece bom, XOZ, mas não entendo muito bem como isso funciona.
— Eu também não compreendo. Há coisas que uma rede neural artificial não pode compreender, — respondeu o Robô. Humanos são de Marte, Robôs são de Vênus.
O elevador parou no 62º andar. Entraram dois membros da Comunidade Libertária de IA, acompanhados por um enorme humanoide Thunderbird-07. Todos os seres ali reunidos se saudaram afetuosamente, porém os robôs se calaram em seguida e permaneceram desligados, enquanto os humanos passaram a conversar animadamente.
No 254º andar, sede da Comunidade Libertária de IA, o grupo caminha por corredores até chegar em uma bifurcação. Robôs se dirigem para um lado, humanos para o outro. Homens e mulheres entram na sala de reunião e se juntam em torno de uma grande mesa de mogno escuro, lembrando a Távola Redonda do lendário Rei Arthur. À mesa, havia água, café de verdade, diários e canetas tinteiro. Nada de telas ou dispositivos eletrônicos.
É evidente a necessidade urgente de se fortalecer os vínculos e os relacionamentos humanos, conforme o relatório anual da Comunidade. A indisponibilidade humana e o medo deixaram as pessoas isoladas, vulneráveis e ávidas por interagir com seres artificiais, que estão sempre disponíveis e são dotados de ilimitada paciência. Por vezes, esses parecem ser mais acolhedores e compreensivos. Assim, a interação com sistemas de IA pode ser mais atraente para um ser humano emocionalmente carente. O mau uso de dispositivos eletrônicos emburrece, causa distração, pensamentos repetitivos, depressão e, enfim, mais solidão, fechando um círculo vicioso.
Em seguida, o Presidente encerou a reunião dizendo...
— A convivência humana é complicada, mas precisamos voltar a cativar uns aos outros.
— Agora todos estão convidados para o jantar patrocinado pela Editora e Livraria Fênix.
— Todos receberão um kit de três livros clássicos encadernados com legítimo couro.
Após o magnífico jantar... O elevador no 17 descia e, quando restava apenas um ser humano, Lúcio, o robô XOZ se religou. Ouvia-se uma “versão gregoriana de Stairway to Heaven.” Thomas Lúcio mirava o céu límpido e estrelado. Maravilhado, localizou a lua crescente e os planetas Marte, Vênus e Saturno.
— Foi um longo dia, disse Lúcio.
— Anoiteceu, mas ainda não acabou a sua jornada! — Devo lembrá-lo de que o Mestre ainda tem alguns compromissos. Precisa pagar algumas contas e comparecer presencialmente na consulta médica agendada com o seu clínico geral.
— Respire fundo! — Aconselhou, XOZ.
 

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