A crise hídrica não sai das manchetes e não é para menos. A urbanização acelerada, com a qual a escassez de água mantém relação siamesa, segue a todo o vapor, confirmando o dinamismo urbano como o fato mais marcante da geografia nacional nas últimas décadas. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) esclarece que em 2014, dos 203 milhões de nacionais, 172,8 milhões (85,12%), moravam em cidades. As capitais, em especial, respondiam pela parte do leão da demografia. Em 2018, também de acordo com o IBGE, 24% dos brasileiros viviam nas capitais, dentre as quais São Paulo, que com 12,2 milhões de moradores, permanecia como metrópole nacional.
Mas, o que impressiona é o apinhamento populacional. Laudo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), sublinha que embora as cidades ocupem menos de 1% do território brasileiro (0,63% para ser mais exato), são o lar de 84,3% da população total. Neste contexto, a MMP (Macrometrópole Paulista), ou CME (Complexo Metropolitano Expandido), inspira preocupação especial. Epicentro da formação espacial brasileira, a MMP surge a partir de vasta conurbação de Regiões Metropolitanas do Estado de São Paulo, originando novo desenho territorial para o ESP e para o país.
A Macrometrópole inclui, além da RM da Grande São Paulo, as RM do Vale do Paraíba e Litoral Norte, de Campinas, da Baixada Santista e de Sorocaba, às quais se somam as Aglomerações Urbanas de Jundiaí e Piracicaba. A mais ver, a MMP tende, em futuro não muito distante, a soldar-se com a RM de Ribeirão Preto e a AU de Franca, ambas no Setentrião paulista.
Detendo papel-chave na territorialidade nacional, em 2018 a MMP cobria 20% da área do Estado, abrigava 174 municípios e 33.650.000 habitantes. Respondia também por 50% da área urbanizada, 74,7% da população e 81,9% do PIB (Produto Interno Bruto) do Estado. Ademais, o CMP hospeda as docas de Santos (28% das exportações), e o Aeroporto Internacional de Guarulhos (37,5 milhões de passageiros, maior fluxo do país), números compatíveis com um espaço que perfaz 28% do PIB brasileiro.
Esta metropolização radical, junto com a calamitosa gestão urbana, foi o estopim da crise hídrica que assolou a região Sudeste e o CME em 2013-2014, extravasando para o ano de 2015. A rarefação da água decorreu tanto de fatores climatológicos e hidrológicos, quanto de implacáveis achaques ambientais, apoiados numa das pontas na vexaminosa gestão da água e falhas de infraestrutura, e na outra, firmada na urbanização desordenada e na blindagem do solo urbano, induzindo alterações meteorológicas que impactaram a MMP, tendo por nota característica, alterações drásticas no perfil pluviométrico.
A metropolização acentuou o efeito da ilha urbana de calor, induzindo elevação da temperatura em mais de 2°C nos últimos 50 anos, e na sequencia, amplificou entre duas a três vezes as chuvas torrenciais, aleatórias e imprevisíveis. O número de dias com chuvas fortes e moderadas aumentou, inclusive durante o inverno, época tradicionalmente seca. Os chuviscos diminuíram consideravelmente e ao mesmo tempo, estiagens sem precedentes passaram a ensombrar milhões de cidadãos com o fantasma das torneiras secas.
Embora em princípio paradoxais, tais disritmias acatam uma lógica inapelável. São Paulo, por exemplo, perde 31% da água tratada na rede de abastecimento, um fato escandaloso quando se sabe que milhões não tem água para beber. Não há também qualquer arremedo de normatização para a captação das águas pluviais para fins não potáveis. Nesta equação, as perspectivas da MMP não são boas. Estudos indicam que a evolução demográfica do CME agregará mais seis milhões de habitantes até o ano 2035 (acréscimo de 20%), alavancando exponencialmente as demandas por água, que ninguém sabe ao certo onde obter. Logo, se impõe urgente mudança de rumos, repaginando a atuação do aparelho de Estado, a quem de direito cabe a gestão pública da água doce.