O historiador britânico Quentin Skinner, em sua obra “Liberdade antes do liberalismo” , lançou as bases da chamada “teoria neorromana da liberdade”, também conhecida como “Teoria dos Estados livres”, segundo a qual a liberdade genuína engloba necessariamente uma comunidade livre, ou seja, a liberdade não pode ser analisada tão somente a partir da dimensão individual, visto que o seu caráter comunitário é de grande valia para o bem comum.
A ponderação supracitada é eminente para as minhas reflexões atuais, as quais recaem primordialmente sobre o republicanismo, pois é comum, sobretudo em tempos de radicalização ideológica, manifestações favoráveis ao regime ditatorial militar com base na seguinte argumentação: “Muitas pessoas que acompanharam e vivenciaram o governo militar não sofreram, ou melhor, não presenciaram medidas arbitrárias e tirânicas; pelo contrário, até admiravam a segurança e o senso de patriotismo estabelecidos pela política da época”. Numa primeira análise, esse argumento é falho, pois carece de um entendimento valorativo e complexo sobre a liberdade, que não deve ser tida exclusivamente como um valor individual, mas como um princípio comunitário. Desse modo, a pensadora Hannah Arendt, adepta do republicanismo neo-ateniense, encara a liberdade como a inclusão e admissão de todos na esfera pública.
Além disso, é premente considerar que os indivíduos que adotam uma abordagem unicamente pessoal do significado de ser livre geralmente não demonstram uma preocupação categórica com a esfera pública, com o estabelecimento de instituições guiadas por valores e critérios de legitimidade e, sobretudo, com o amor ao próximo. Sob essa perspectiva, é premente reiterar, para fins explicativos, o caráter autoritário com que os homens do século passado guiavam suas famílias, conduzindo-as, via de regra, a partir de um ideal de arbitrariedade, caracterizado pela primazia da impessoalidade, da disciplina cega, da aplicação reiterada de castigos físicos para “educação” dos filhos e, por fim, da violência psicológica contra as mulheres.
Por certo, o machismo ainda é evidente na atualidade, mas sua força era muito mais agressiva na geração passada. Para reforçar a realidade supramencionada, basta observar a quantidade de relatos de mulheres que sofreram com o autoritarismo de seus maridos, bem como os traumas impressos em muitos adultos de hoje em razão de uma disciplina “militar” e pouco afetiva de seus pais.
Em vista disso, é certo afirmar, de forma inequívoca, que os homens autoritários com sua própria família, incapazes de demonstrar uma perspectiva virtuosa de uma autoridade legítima, representam critérios sólidos para a qualificação de um bom governo? Alguém impotente de exercer o espírito comunal no seio familiar é capaz de buscar o bem comum na esfera pública? Por certo, quem se preocupa tão somente com a dimensão individual da liberdade é inapto para o exercício das virtudes cívicas e da justiça geral.
Portanto, apenas pessoas realmente engajadas com uma comunidade verdadeiramente livre tipificam os verdadeiros espíritos republicanos, pois compreendem que autoridade pressupõe critérios de legitimidade e o cumprimento de obrigações ditadas por um valor, qual seja: o bem comum. A autoridade só é autoridade quando legítima. Enfim, argumentos que procuram atenuar os males de uma ditadura estão atrelados ao egoísmo, ao isolamento do homem, ao mal banal e, primordialmente, à mediocridade, traços típicos de uma visão reducionista da liberdade, incapaz de enxergar o verdadeiro comunitarismo e a dignidade da pessoa humana.