Coisas que não são do nosso tempo e nem para esse tempo

OPINIÃO - Fernando Batistuzo

Data 09/07/2024
Horário 05:00

Tornou-se comum, clichê, dizermos que “vivemos na correria”, que “o tempo voa”, e que a vida passa mais depressa hoje em dia que antigamente.
Será verdade? A pergunta parece válida porque desde sempre um dia possui 24 horas, de modo que se levanta outra questão: a vida passa atualmente mais rápido ou foi a humanidade que ao longo do tempo criou inúmeras obrigações e afazeres que tomaram todo seu dia com trabalho, tarefas e outras demandas, eliminando uma parte do tempo diário para se fazer outras coisas como, por exemplo, a contemplação?
Carpe diem.
Essa reflexão – que reconheço não ser inédita – ocorreu-me novamente após recente viagem durante a qual tive a oportunidade de ver de perto fabulosos monumentos e obras feitas pelo homem, algumas das quais há mais de mil anos (!), e que hoje são visitadas por milhares de pessoas diariamente, e quase todas com seus celulares em mãos para “tirarem” fotos que ou nunca mais serão vistas, ou que irão para o Instagram (coisa que eu também faço).
O eventual “problema” não é o celular, a foto ou o Instagram, mas a falta, a ausência, por muitos, da contemplação do que se está do outro lado do celular, daquilo que aparece na tela do aparelho, e da pressa em se dirigirem para outras obras e monumentos que “precisam” ser registrados.
Tomemos como exemplos as grandes igrejas mundo afora, incluindo as grandiosas aqui mesmo do Brasil, especialmente as barrocas da Bahia e Minas Gerais (“Aleijadinho”). São ricamente adornadas com centenas de detalhes compostos de inúmeras estatuetas, grandes telas de pintores renomados, afrescos extremamente detalhados em suas paredes, tetos e domos, pisos formados de milhares de peças colocadas manualmente, altares grandiosos, imagens sacras esculpidas em mármore e outros materiais, enfim, um volume grandioso de informação estética, cultural e artística criado há milhares ou centenas de anos para ser apreciado.
Quanto de todo esse legado genial atualmente aproveitamos? Entendo que pouco, muito pouco, especialmente quando viajamos.
Quando os grandes monumentos e outra formas de arte – quadros, esculturas, jardins – foram criados há séculos, talvez (não tenho certeza) as pessoas aproveitassem mais, detendo por mais tempo o olhar em detalhes, regozijando-se daquilo que observavam. 
Observei, por exemplo, pessoas diante da estátua de Davi, de Michelangelo, e de obras de famosos pintores, que as viram somente pela tela do celular ao tirarem fotos, não tendo investido dez segundos para contemplarem a magnitude do que lhe estava à frente, e outras caminhando freneticamente pelo interior de grandes prédios milenares sem prestarem qualquer atenção, pois o que importa é rumar para a “atração turística” seguinte, ou seja, um tremedo desperdício de usufruir da privilegiada oportunidade.
Nosso tempo certamente é distante e diferente de outros tempos, mas é salutar que diante das maravilhas da humanidade exercitemos pelo menos por alguns minutos a contemplação com nossa mente e olhos abertos para a absorção de tudo que têm a oferecer. As fotos, o Instagram, e a próxima atração podem esperar um pouquinho.
 

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