Coelhos

OPINIÃO - Thiago Granja Belieiro

Data 25/01/2025
Horário 04:30

Durante o dia vivia a vida de todos, durante a noite, porém, ia ter com coelhos, em bosques e florestas, correndo e brincando, em pulinhos, como iguais. A jovem apreciava aqueles passeios que secretamente experimentava. No outro dia, mesma existência comum de sempre. Entretanto, decidiu-se, depois de muito ponderar, que o melhor seria seguir com eles, e então, abandonou tudo e a todos para seguir viagem. 
Passou por países e mundos distantes, mas mesmo viagens assim podem levar ao tédio e com ela não foi diferente. Um dia, depois de caminhar por horas, sentou nas pedras, à beira do mar, a contemplar ondas. Pensou nos coelhos e nas aventuras que havia experimentado desde então. Viu e ouviu de tudo, até sapos falantes e gansos que se comunicavam, dando bicadas em portões, como que pedindo a sair. Cansou, porém, mesmo dos encontros furtivos com a novidade. 
Os coelhos, entretanto, eram ávidos e não estavam dispostos a abandoná-la, de modo que sempre a convidavam para novos lugares, inusitados e curiosos, interessantes. Ela os seguia em busca de vida, entediada, como os deuses. Um belo dia, contudo, em que os coelhos descansavam na grama, ao fim da tarde, e em que a jovem também o fazia, deitada com as mãos atrás da cabeça, assobiando de olhos fechados, ouviu-se ao longe um canto singelo. 
A jovem levantou-se rápido e seu movimento assustou os coelhos, despertados de seu sono leve. Olharam em volta e viram pássaros, que cantavam em coro uma música leve e sonora. Estavam distantes, mas os coelhos foram ter com eles e de lá acenavam, a chamando, a contemplar aquela raridade. A jovem, então, à revelia dos seus recentes amigos, resolveu ir embora. A companhia dos coelhos já era, para ela, opressora, de modo que precisava voltar à realidade. 
O problema, porém, era encontrar a saída, pois nesse mundo encantando existem muitas portas de entrada, mas poucas, quase nenhuma, para a saída. Mas ela tinha medo, muito medo, todas as vezes que estava com os coelhos, e isso a ajudava a buscar o caminho. Fugia deles e quando conseguia estar longe era capaz de ver as saídas, que então se apresentavam. Os coelhos são terríveis, e muitas vezes, esconderam a chave das portas e ela tinha que ficar sempre um pouco mais. 
Do lado de fora os pássaros continuavam cantando, mesmo depois de dias e meses. Ela procurava compreender a mensagem e logo percebeu que o amor era a porta de saída dali. Mas amar a quem? Observou então que os coelhos amavam a si mesmos, dando pouca ou nenhuma importância aos demais, muito embora, estivessem sempre juntos. Dali saiu a derradeira lição.
Sair da fantasia vai exigir um olhar aprofundado em si mesmo, vai exigir um encontro e um confronto com o eu, algo que sempre se evitou ao andar por aí com coelhos. Sim, a sofrível e moribunda realidade, essa, de todos os dias, tediosa e exigente.  A porta abriu-se, por fim, mas só é permitida a travessia para quem está acompanhada do amor e a jovem buscou seu namorado para com ele ter uma filha e poder, finalmente, ver a vida como ela é, longe de seus coelhos. 
 

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