LEMBRAR, DEIXA-ME LEMBRAR...
Um dos ídolos de minha adolescência foi Clyde Beaty. Falávamos Clide Beati, como se escreve em português, mas... e daí? O importante era assistir aos filmes em que o grande caçador e domador de feras da velha Hollywood produzia e estrelava. Clyde era um ator de segunda linha, mas seus filmes me encantavam. Domador, piloto nos velhos aviões da Primeira Guerra Mundial e até alguns faroestes. E por que não, os seriados que víamos na segunda sessão do Cine João Gomes, lá do puleiro, onde o ingresso era mais barato e se enquadrava nos gastos do menino pobre da rua Álvares Machado. Mas, não é de Clyde Beaty que quero falar. Até pelo fato de que outros ases do cinema me fascinavam. Johnny Weissmuller, o maior dos Tarzans, Johnny Mac Brown, um mocinho valente e pesado para o pobre do animal que o sustentava, mas que tinha punhos de aço nos muitos faroestes que vi. Os filmes sempre nos chegavam com muito atraso. Pois se demoravam para vir ao Rio ou a São Paulo? Imaginem a distante Presidente Prudente, a Capital do Sertão, onde um trem da Sorocabana aportava depois de quase 20 horas de viagem desde São Paulo, isto quando não nos deixava no aguardo de notícias de descarrilamentos, trilhos fora de linha e outros motivos que produziam os indefectíveis atrasos. Mas, a grande atração para nossa juventude era mesmo o Cine João Gomes. O "footing", a sua frente, famoso. Caminhava-se desde o início da confluência da Praça 9 de julho com a Avenida Marcondes até a esquina seguinte em grupos definidos por gênero e ao som das vozes da dona Odete ou do Carlos Alberto, depois do Bendrath Junior em tempos mais recentes, no serviço de alto-falantes do Valter Pelegrino, que funcionava nos altos do prédio onde o Bar Cruzeiro do Sul dominava a afluência de um outro tipo de prudentinos. Era ali o cafezinho de todos os dias e onde o noticiário mais quente da cidade e do país tinha opiniões abalizadas e que resolviam desde o conserto de um buraco em uma de nossas ruas até aos deslocamentos das forças aliadas na Segunda Guerra Mundial. Mas, o Cine João Gomes era mesmo o ponto de atração principal do menino. Só se rivalizava com o campo de futebol do Progresso no Ginásio São Paulo. No João Gomes vi os capítulos de "Os perigos de Nyoka", seriado que dava assunto para a semana inteira. Por sinal que baseado na obra de Edgar Rice Burroughs, o criador do Tarzan. Não são muitos os prudentinos com quem possa trocar figurinhas. O São João Batista tem um apetite voraz, mas por enquanto está permitindo que estas recordações aflorem quando o centenário ai vem com a velocidade de um Fórmula 1.
Flávio Araújo, jornalista e radialista prudentino escreve aos domingos neste espaço.