"MAS É CARNAVAL ..."
A cuíca ronca e os tamborins repercutem Brasil afora os sons do carnaval, cujos adoradores não estão nem aí para os problemas nacionais ou do mundo todo. Vale pela alienação ou pela descontração já que ninguém é de ferro. Não vou falar que soa como exagero a extensão dos dias de folia em algumas capitais brasileiras que desmentem a velha canção onde Orestes Barbosa dizia que "Quarta-Feira de Cinzas amanhece, na cidade há um silêncio que parece que o próprio mundo se despovoou". Se Chico Alves cantasse hoje estes versos os mesmos estariam inaudíveis e fora do contexto, cobertos pela parafernália ensurdecedora que em Salvador, em Olinda e no Recife parecerá estar apenas começando quando quarta vier. Este ano recrudesceu a absurda campanha do politicamente correto chegando ao ponto de organizadores se autocensurarem proibindo a execução de alguns clássicos de nosso cancioneiro carnavalesco por serem considerados como letras de cunho racista e por aí afora. O mesmo demonstrativo de ignorância que atingiu o grande Monteiro Lobato quando tentaram suprimir trechos de seus livros infantis com esse argumento. Pura bobagem e falta de tempo de quem "não enxerga onde tem o seu nariz" (Noel). O carnaval sempre foi ponto de inspiração maior na melhor época que viveu o cancioneiro brasileiro. Quando tínhamos compositores a dar com pau e cantores, homens e mulheres, de grande qualidade. Na verdade quando para ser cantor, ou cantora, tinha que saber cantar. Um imenso grupo compunha o ano inteiro, mas havia a música de meio de ano e aquela feita especialmente para o carnaval. A prova de seu valor e de sua capacidade é que ainda hoje são as que dominam no verdadeiro carnaval, aquele que tem o povo a participar nas ruas de tantas cidades, grandes ou pequenas, nos blocos ou nos bailes de clubes. Para o país como um todo hoje há a música que serve de moldura para as escolas de samba do Rio de Janeiro e que de modo geral são feitas para o carnaval do ano e esquecidas assim que o desfile termina. Enquanto isso, marchinhas e sambas são imortais na memória do povo de mais idade e tenho certeza que seria um sucesso se o rádio as reproduzissem para o conhecimento das gerações atuais. Tenho pena de quem jamais tenha conhecido "a jardineira" ou a "aurora" dos carnavais de antigamente. Como locutor de rádio e no tempo em que o mesmo tocava 90% de música brasileira e dela vivia, anunciando-as diuturnamente ao microfone, sei uma imensidão de letras do que de melhor produziu a música brasileira de verdade e que o politicamente correto, por ignorância ou má fé, quer matar.
Flávio Araújo, jornalista e radialista prudentino escreve aos domingos neste espaço.