MUHAMMAD ALI, SANTO, ATOR, PUGILISTA OU TUDO?
Depois de morto todo mundo vira santo. Principalmente um grande campeão. Quando morreu Jack Dempsey (1895-1983) os norte-americanos o colocaram na posição de seu maior herói e o santificaram. Quando partiu Joe Louis (1914-1981) repetiu-se a imensa homenagem. Mas, na partida de Muhammad Ali foi o mundo que se persignou. Clay foi mesmo um grande campeão: 3 vezes campeão mundial dos pesados, dono de um ouro olímpico morreu aos 74 anos na última semana. Foi a maior lenda do boxe no mundo, mas não o atleta mais espetacular do século. Ativista na defesa dos direitos dos negros Clay travou duelos espetaculares dentro e fora dos ringues. Trocou de nome e religião num gesto duplo para os que o conheciam bem. Se já não era evangélica foi muito menos muçulmana. Uma atitude de desprezo aos seus patrícios e não uma posição religiosa. Era fascinado por holofotes, dono de frases de efeito, considerava-se o homem mais belo do mundo e não perdia chance de menosprezar colegas. Seu gesto ao atirar suas medalhas no Rio Mississipi como protesto contra a guerra do Vietnam para muitos foi um ato heroico. Para outros apenas uma oportunidade de continuar em alta na mídia. Há muitos anos lutava contra o mal de Parkinson. Para que se tenha uma ideia de seu estado físico a figura trôpega que subiu as escadas do memorial de Atlanta nas Olimpíadas de 1996 trocava os degraus vacilante e precisou de ajuda para acender a pira. Tinha na época apenas 54 anos. No ringue foi um verdadeiro e legítimo craque: um bailarino que lutava com os braços abaixados e com um movimento de pernas que fazia inveja a qualquer profissional da dança clássica surpreendendo o contendor com um cruzado letal. Sua grande luta contra George Foreman no então Zaire em 1974 entrou para a história do boxe e mereceu até um livro escrito por Norman Mailer. Que torcia fervorosamente por Ali. Esteve por aqui ao final nos anos 1960 e deu uma entrevista coletiva à imprensa da qual participei. Quando Kaled Curi, dono de um jornal sobre boxe e antigo pugilista declinou sua condição de antigo campeão brasileiro de médios Muhammad o olhou e falou – "You, boxeur?" – e gargalhou. Sua grande luta política foi a participação contra a guerra do Vietnam. Agora, dependendo de sua opinião sobre os santos, deixo isso para que cada um o aceite por sua conta e risco. Homem ou mulher, atleta principalmente, vivo ou morto, só deve ser julgado por aquilo que fez na sua atividade principal. E como pugilista não existe dúvida que Cassius Clay foi o maior de todos.
Flávio Araújo, jornalista e radialista prudentino escreve aos domingos neste espaço.