Caro amigo, lhe escrevo, hoje, pela última vez, para anunciar ao mundo que morri. Não o faço, naturalmente, como o grande Brás Cubas, que de fato foi, postumamente, escritor e dos bons. Pelo contrário, vivo estou, ainda, e aqui, nesse mundo, pretendo ficar, talvez, um pouco mais, se possível for. Acontece que, estando em casa a procurar afazeres, lembrei-me da escrita, essa arte das mais longevas e instrutivas, de modo que pensei, talvez fosse bom deixar meu amigo a par do que agora se passa, na distante província, que ora habitamos, não com alegria, mas com certa satisfação, apesar de tudo.
Ainda me lembro, com certo carinho, daquela viagem que fizemos juntos, ao Recife, lembra-se? Pois é, são muitos anos, eu sei, mas me parece que boas lembranças não morrem, apenas se escondem. Pois bem, ainda posso sentir o cheiro do mar, o afago das ondas e a conversa que tivemos, naquela enseada. Lembro-me, em especial, de dizer-lhe acerca do sentido da vida, do qual, como sabes, sou pouco conhecedor, mas sempre que posso, procuro perscrutar, em busca, quem sabe, de alguma resposta. Do que você disse lembro pouco, quase nada, apenas do papel que eu, sem o saber e querer, tive, na sua vida. Não me apraz tamanha responsabilidade e seu afastamento é justificável, veja só, preciso concordar.
Acontece que, de quando em quando, me vem à cabeça, certas escolhas, aquelas, que fazemos, de forma inconsciente, e é preciso reconhecer, por vezes, inconsequente. Se tive culpa em abrir-lhe veredas, antes inimagináveis, para ti e para os seus, assumo, por assim dizer, certa responsabilidade, muito embora, também é preciso dizer, que o papel ativo cabe àquele que vive a ação. O que seria de você sem a nossa amizade, já o pensou? No meu caso, e em minha defesa, digo apenas que fiz o que me parecia ser o correto, naquele momento. Por vezes, e isso nem sempre se dá, penso mesmo que errei em buscar sua amizade, assim, tão demoradamente. Agora é tarde demais e as coisas são como são.
Mudemos de assunto. Como vão os seus? Sente-se bem, a viver sem amigos? Ontem mesmo, eu dizia, aos meninos, o quão ilusórias podem ser as relações humanas, e eles, apesar da pouca idade, reconhecem, muitas vezes, veleidades nas nossas atitudes comezinhas. Ao fim e ao cabo, estão como deveriam, muito bem, é claro, o que permite a pouca idade com sua cândida inocência. Me parece que buscam seus caminhos e acho mesmo que irão encontrar, quando chegar a hora. Sigo firme nesse propósito e faço votos de que teremos sucesso. No meu caso, teria pouco a dizer, particularmente, em relação aos meus sentimentos, como sabes, arruinados pela existência.
Veja bem, na verdade, tenho pouco a dizer a quem se foi, tão precocemente. Nunca imaginei, na minha inocência, que a inveja estaria entre nós, eu que torci, sempre, por você. Agora, viremos a página, pois amanhã, provavelmente, não estaremos aqui e outros afazeres estarão em nossos horizontes. Você sabe, muito bem, que continuarei a viver, postumamente, como seu amigo. De modo que me despeço com um até breve. Do seu amigo C.